Táxi chileno

Dizem meus amigos e familiares que sempre passo por algum apuro em minhas viagens. Não sei até que ponto eles têm razão. Já contei sobre uma viagem louca que fiz ao Sul da Bahia onde, entre outras situações inusitadas, fiquei todo molhado de chuva dentro de um ônibus só porque decidi abrir o teto solar e não mais consegui fechá-lo. Em Paraty descobri que sou alérgico a mosquitos borrachudos e tive os pés inchados a ponto de não poder calçar os sapatos. Em Salvador fiquei perdido num bairro perigoso e cheguei muito tarde ao hotel por causa disso. Voltando de Ouro Preto com alunos adolescentes tivemos o ônibus quebrado e ficamos na estrada aguardando socorro por horas. Chegamos de volta à escola às 23horas com nove horas de atraso.

Ainda não acredito que passe sempre por apuros. Esses foram apenas pequenos incidentes de percurso. Via de regra, aproveito muito bem minhas viagens. Descobri, inclusive, sobre a semelhança entre viajar e viver. Ambos são um percurso que obedece a um itinerário. Ora, se passamos por situações difíceis em casa, no trabalho, na escola e igreja, por que não passaríamos durante nossas viagens? O interessante é saber lidar com essas situações independentemente de serem elas agradáveis ou desagradáveis. Depois de algum tempo, todas elas entram para o repertório de histórias de nossa vida. É só ter paciência e deixar o tempo macerar as essas histórias até virarem “causos”, espetáculos ou narrativas em crônicas e contos. Como ainda não sou pai e nem idoso, não poderei contar esses causos aos meus filhos e muito menos aos meus netos. Não sou ator, cantor, animador de auditório ou coisa equivalente. O espetáculo, então, está fora de cogitação. Restou-me a escrita. Tenho uma história que acabou de sair do forno junto com um pão de amendoim delicioso que amassei há pouco. Vou oferecer um pedacinho a vocês (não dá para contar tudo neste espaço). Pode esticar a mão e servir-se à vontade. Espero agradar teu paladar.

Divertia-me muito na Casa de Pablo Neruda em Isla Negra. Estava em companhia de duas paulistas divertidíssimas que conheci no hotel em Santiago. Fizemos a viagem de ônibus da capital chilena até o litoral desse país encantador. Isla Negra é um lugar lindíssimo a beira mar. O caminho é florido e cheio de residências bonitas e ajardinadas. A casa onde viveu o poeta chileno e seu grande amor – Matilda Irrutia – era simplesmente mágica. Tão linda e num lugar tão maravilhoso que acabei por perder a noção do tempo. Voltamos para a estrada a fim de apanharmos um ônibus. Eu de volta para Santiago e elas para Valparaíso. Dessa vez não ocorreu nada de estranho no trajeto de volta ao hotel. A viagem foi, na realidade, bem tranquila. Voltei conversando com um rapaz chileno muito educado que acabara de voltar da casa da namorada. Ele conheceu o Brasil e tinha um amigo brasileiro em São Paulo. Falamos de política dos dois países, educação, literatura. Ele era bastante culto apesar de muito jovem. Chegamos à estação e ele seguiu seu destino e eu tomei o metrô até a Estação Los Heroes e de lá segui a pé para o hotel. Fiz o check-out e tomei um táxi até a Estação de Ônibus Central. O relógio conspirava a meu favor. Cheguei a tempo de embarcar com calma até San Francisco de Montazal, onde encontraria com o grupo de excursionistas da minha igreja a fim de voltarmos juntos ao Brasil. A viagem nesse ônibus também foi ótima. Ao meu lado sentou-se uma missionária católica, que até hoje se corresponde comigo através da Internet. Conversamos muito sobre família, amizade, Deus... A conversa foi tão agradável que quase não percebi que já escurecia e eu quase passaria do ponto. Despedi-me rapidamente e uma espécie de comissário de bordo acompanhou-me até o bagageiro externo a fim de entregar minha mala. O ponto de ônibus ficava na beira de uma rodovia. Deveria atravessar a estrada e procurar um jeito de chegar até o acampamento dos meus irmãos de igreja. Só havia um detalhe de que me esqueci. O local não era servido por nenhuma linha regular de ônibus. Por sorte apareceram dois táxis na beira da estrada (coisa igual só acontece com contador de história, mas juro que foi verdade). Fiz sinal para o primeiro, que pediu um tempo para abastecer. Apareceu um vendedor de pastéis e me ofereceu sua iguaria. Como sou vegetariano, não aceitei, pois era recheada com carne (e de porco ainda por cima!). Enquanto recusava o petisco, chegou outro táxi. Esse era de um conhecido do vendedor de pasteis. Negociei o preço e valeu a pena. Deixei o outro abastecendo, entrei no carro e dei uma carona ao pasteleiro. O caminho era um breu. Chegamos ao acampamento e meus colegas de viagem haviam seguido para Santiago e me deixado sozinho. Entrei em desespero. Você não vai acreditar, mas o motorista era professor no Brasil e trabalhava nas férias no Chile. Ele foi bastante solícito e rodou todo o acampamento comigo. Entrei em desespero. Teria de voltar ao hotel e comprar novas passagens para o Brasil. Comecei a reclamar e a xingar, ora em espanhol, ora em português. Pedia para ir ao consulado e ser repatriado e outros absurdos. Não sabia nem mais o que estava falando. Alguns chilenos pensavam que reclamara deles. Disse que não. Que estava reclamando dos meus compatriotas. Esses chilenos eram adventistas como eu e atrasaram-se em sair do acampamento. Por sorte minha eram bastante simpáticos e fizeram amizade com os irmãos brasileiros. Tanto que ligaram para a igreja de Porvenir em Santiago e avisaram sobre mim. Ofereceram-me uma carona ao som de música chilena e regada a doces típicos. Queriam saber do Brasil e de como é a igreja por aqui etc... Para resumir encontrei os brasileiros numa escola da rede adventista contígua a Igreja de Porvenir. Quando cheguei por lá, encontrei gente nervosa, chorando inclusive porque não conseguiram entrar em contato com o hotel onde me hospedara. Tudo por um erro de comunicação e por antecipação da viagem da parte deles (iriam viajar as cinco da manhã e resolveram sair às três da tarde enquanto eu estava em Isla Negra). Uma loucura só!

Da minha parte os problemas acabaram. Seguimos viagem felizes até o Brasil, apesar de uma moça ter ficado doente, de uma senhora ter perdido seu filho mais velho e deixado seu bebê de dez meses cair de cima do balcão do supermercado em Porto Alegre. O grupo parou duas vezes para aguardar o atendimento hospitalar da moça e do bebê. Fora esses percalços, tudo acabou bem. O menino já está crescidinho e saudável e a moça recuperou-se do seu mal-estar rapidamente. Qualquer dia desses conto sobre essa mãe divertidíssima e de seus filhos acostumados ao esquecimento materno. Vou ter de parar agora. Já são quase três horas da manhã e não posso e nem devo abusar. Tenho dormido muito tarde por esses dias.

Daqui a algumas horas eu volto para te contar sobre outros casos da minha viagem inusitada ao Chile.

Um abraço e bom dia.

Oswaldo Eurico Rodrigues
Enviado por Oswaldo Eurico Rodrigues em 25/10/2009
Reeditado em 11/06/2010
Código do texto: T1885676
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