Da morte

Creio que nunca escrevi sobre a morte, de forma direta e íntima, por ser um tema que me angustia. Muitos escritores tratam justamente sobre aquilo que lhes perturbam e tiram-lhe o sono, como uma espécie de catarse, um expurgo, ou qualquer coisa do gênero. Eu não.

A morte passou a me ser uma estranha cruel no momento em que perdi meu pai, quando ainda não contava com doze anos completos. Passou então a me apavorar, e sempre que posso lhe ignoro a existência. Infelizmente, apesar de nas representações iconográficas ela ser apresentada de preto, a morte não é uma senhora discreta, geralmente chega fazendo estardalhaço, de maneira a nos forçar a vê-la, a encará-la e a nossa maldita fragilidade e finitude (não quero aqui discutir a imortalidade da alma).

Por duas vezes, após o falecimento de meu pai, ela tentou dar as mãos para minha mãe, mas felizmente conseguimos vencer algumas batalhas. Claro que sabemos o resultado da guerra, o que não impede que nos sintamos bem.

Agora ela se avizinha da minha sogra, pela segunda vez também, tentando corroer-lhe o espírito, a dignidade, seus ossos. Não consigo ver-lhe com bons olhos, a morte, vejo-a como uma usurpadora do espírito humano de perpetuar-se, de viver aquilo que ainda não foi vivido, de experimentar aquilo que não foi experimentado, de ser aquilo que nunca se foi. Por hoje ela é para mim a senhora da foice, inclemente e maldosa. Não posso ainda vê-la como parte do ciclo da vida, como a dama generosa que nos reconduz a nossa verdadeira morada espiritual.

Por hoje eu tenho raiva dela e, se pudesse, faria-a experimentar do próprio veneno. Eu gostaria de matar a morte.

CEVDM