Agenda de 1992

Na agenda de 1992, em primeiro de maio, encontro uma página inteira escrita a lápis; embora não a tenha entendido bem, resolvi transcrevê-la, para estudos mais minuciosos. De quando em vez, faço limpeza da papelada e jogo no lixo muita coisa que escrevo, muita tolice. Ao morrerem certas personalidades do mundo cultural, a família começa a futucar seus guardados e toma como coisas sérias, simples brincadeiras, exercícios de tolices. No próprio livro Luz Mediterrânea, o editor publicou os poemas inacabados, que foram encontrados no fundo da gaveta do poeta. Sem querer comparações, deu-se o mesmo comigo, felizmente ainda em vida; abro uma agenda de 1992 e no primeiro de maio encontro o seguinte: Adeus à emoção; o tempo caminha célere e mais rápida a desaceleração das emoções; não pude perceber o sentido da frase, e já confessei não tê-la entendido! Presença de processos desagregadores, ou tomada plena de consciência do bem querer por não querer – enfim, uma ambigüidade? Cansei-me de repetir a representação exata do amor; o amor é um sentimento exclusivo, pessoal, egoísta, centrípeto e, mesmo os atos de renúncia em seu nome, têm a mesma gênese; voltado para a satisfação pessoal nas mínimas coisas, mesmo que por reflexo essas coisas causem bem-estares a terceiros; o motivo é o mesmo - amo por mim, faço feliz por mim, proporciono prazer por mim, pois, em síntese, mesmo quando me dôo por inteiro, faço-o exclusivamente por mim. A emoção caminha pari passu a essas complicações todas do pensamento. Sendo assim, o adeus à emoção pode significar a libertação do tudo pelo eu, a consciência de que as coisas já não importam muito e o resto não significa nada. - Achei muito estranho o texto, porque sou emotivo por natureza e a emoção é por si só uma ideologia; não se pode imaginar a justiça e igualdade social para todos, num texto como o transcrito; a minha idéia é de que o texto foi uma micro-explosão de despeito e desalento; como observador das personalidades, no sentido próprio do termo, indicaria uma catarse para rebuscar e encontrar as causas do desafogo... De qualquer modo, fica a transcrição, respeitando o texto original, pois, muitas coisas que escrevo sem colocar em campo a crítica, servem à compreensão de um momento da minha vida; posso contar inúmeras histórias e lhes dar o tom e o colorido que melhor impressione aos leitores; volto sempre à época da revolução francesa, em que as biografias eram escritas e reescritas, em conformidade com o momento político do biografado. Está claro que uma biografia de Robespierre no momento do ser supremo seria diferente da época da mandíbula fraturada!

Nas pesquisas que se seguiram, fiz uma avaliação do que alguns autores pensavam sobre o amor. Rollo May dizia que “nos agarramos uns aos outros, tentando persuadir-nos de que é amor o que sentimos”. Numa seqüência diz: “Ruem as emoções e os processo integradores, entre os quais o amor e a vontade são os mais relevantes.” 1 Procurei uma analogia entre a citada frase que encontrei na agenda e o pensamento do autor citado. Fica para outra oportunidade.

1 Rollo May – Love and Will - 1969