A QUERO-QUERO.

Era uma bela tarde de dezembro. Eu estava quase pronta para sair. Iria à posse do novo presidente da Academia de Letras da cidade, da qual faço parte.

Enquanto terminava minha maquiagem, com a tevê ligada ouvia as notícias do dia.Estava um pouco ansiosa para ficar logo arrumada. De repente uma notícia e uma imagem fizeram-me parar diante do aparelho de tv. O repórter dizia:

“Trabalhadores braçais e máquinas de terraplanagem interromperam o desmatamento e o aterro desta grande área, à beira desta rodovia asfaltada, onde serão iniciadas obras para a construção de um condomínio. Em pleno dia, todos foram obrigados a cruzarem os braços e aguardar a chegada do Secretário de Obras, de um Técnico do IBAMA e da imprensa local. O motivo é a presença desta ave e do ninho dela! A sua atitude perante os trabalhadores chamou-lhes a atenção e dos moradores e curiosos, que aos poucos foram-se aglomerando aqui no local”.

E o repórter continuou falando e explicando o que estava acontecendo:

“Esta futura mamãe Quero-Quero havia feito o seu ninho na grama, à beira do asfalto, para a ninhada que está por chegar. O lugar que ela escolheu foi justamente aqui, onde será a conclusão do aterro. Segundo o tratorista me informou, assim que a ave percebeu a aproximação da máquina, postou-se de maneira corajosa, desafiadora, tal qual uma sentinela entre a máquina e o ninho! “

E as imagens mostravam a ave muito estressada! Ela piava, ficava na ponta dos pés, abria as asas, mexia com a cabeça para todos os lados e de bico aberto. Parecia completamente desesperada e pulava de um lado para o outro.

" E diante desse impasse, estamos aguardando a equipe técnica, para saber como será resolvida a situação”. Concluiu o repórter.

A cena impressionou-me sobremaneira. A ave parecia dizer, implorar: “ Por favor, não toquem no meu ninho. Deixem os meus ovinhos, para que os filhotes possam nascer. Sou uma Quero-Quero longe da mata, perdida no meio dessa gente. Não sei para onde ir! Aqui parecia tão calmo.!...” . Ela esticava o pescoço a todo instante, conferindo os ovos e o ninho.

A atitude corajosa da ave em defesa da sua futura ninhada, chamou a atenção de todos.

As autoridades chamadas chegaram e retiraram a ave e o ninho. sob calorosos aplausos da comunidade e a levaram para outro local, na Reserva Florestal. Em seguida foi dada continuidade aos trabalhos da terraplanagem. E o repórter parecia feliz com a solução. Encerra o dia com sua melhor reportagem!

Terminada a notícia, desliguei o aparelho de tevê. Terminei a maquiagem, calcei o meu sapato e saí apressada. Gostaria mesmo é de ter ficado em casa. Despir as minhas roupas e a emoção que guardava no peito, daquela cena de “Documentário” ao vivo, em que o ator principal foi um Ser irracional, do mundo animal, e os seres humanos os coadjuvantes; o cenário e o suspense do texto - a Natureza e seus mistérios.

Apressei os passos e peguei o ônibus que me levaria ao local da festividade. Durante a viagem passei perto da mata. Fiquei pensando no exemplo de amor e cuidado maternal. Na coragem e na bravura daquele pássaro – a pequena Quero–Quero!

Quando cheguei de volta em casa, um novo noticiário prendeu-me a atenção. Um bebê fora salvo por puro acaso, às margens de um rio, na cidade de Pampulha, em Belo Horizonte. Havia sido jogado no rio pela própria mãe. Quanta diferença entre conceitos e valores desta mãe e a pequena Quero-Quero...

Iraí Verdan
Enviado por Iraí Verdan em 26/10/2009
Reeditado em 10/11/2009
Código do texto: T1888917