DANÇAR

Fiz exercícios desde a adolescência. Acabei por desenvolver a musculatura, coisa que pra mulheres em geral é muito bom, pois retarda o efeito da gravidade. Eu tinha um corpo "malhado", que podia até ser bonito nos padrões da cultura dos anos oitenta e noventa – hoje as mulheres tem que ser magérrimas – mas era um corpo sofrido. Claro, eu também tinha muita resistência física, consequência de muito esforço e corridas que não me levavam a lugar nenhum. Eu vivia uma falta de sentido sem par.

Minha história com a atividade Física começou quando criança, com uma paralisia infantil que não deixou sequelas aparentes, apenas a perda da visão do olho esquerdo e uma leve assimetria na perna direita. Não desenvolvi nenhum desvio na coluna vertebral até os cinquenta anos, é obvio que foi por causa da atividade física regular, mas trazia os ombros caídos, o peito fechado, a cabeça pesando à frente, traço certo de quem é introspectivo.

Malhar me trouxe superação, ou deformação? Ou a deformação estava impressa em meu corpo, como marca da história vivida desde a infância? Depois dos trinta e cinco anos, descobri a Biodança, fiz parte de um grupo regular, e fui gostando cada vez mais. Fiz formação, ao todo nove anos de prática ininterrupta, uma vez por semana mais um final de semana por mês. Como lazer dançava nos finais de semana em festas bailes, forrós e, o mais delicioso, perdi a vergonha de me deixar descansar preguiçosamente sempre que meu corpo pedisse.

Passei a perceber que as longas caminhadas por trilhas, mesmo as mais difíceis, me agradavam muito, eu tinha um lugar pra chegar, motivo de contemplação, ou só pelo prazer de desbravar novos lugares, fiz um trekking pelo sul da Bahia, que foi uma das viagens mais marcantes da minha vida, cada caminho um insight, uma poesia, uma aventura.

Desenvolvi mais flexibilidade dançando em nove anos do que em vinte e dois anos malhando. Sem pensar no como – coisa de professor de educação física – apenas senti que o descompasso rítmico no meu caminhar já não existia. Um fato incrível foi que meu pé cresceu depois dos trinta e cinco anos, ou se espalhou, não sei, passei do número 35 para 36!

E aqueles ombros caídos que me faziam parecer menor do que eu era se ergueram voluntariosos, e a mudança em minha postura é perceptível até em fotos. Eu sei que os nove anos dançando foram os mais felizes da minha vida, não porque eu não tivesse que enfrentar dificuldades, muito pelo contrário, foi na mesma época que fiz uma escolha em minha vida que me trouxe muitos sofrimentos, mas aprendo dançando que mesmo triste eu sou feliz!

Hoje com cinquenta anos, já não danço há cinco, e nesse ínterim desenvolvi um câncer de mama, passei pela quimioterapia, perdi os cabelos os pelos a massa muscular, mas a dança plantou em mim uma confiança e alegria que nem a doença arrancou, as raízes estão profundas em meu ser.

Vivo hoje um momento que não me permite fazer parte de um grupo, ou ter um grupo pra dançar. Exceto na praia, nas manhãs ensolaradas quando danço sozinha, prazer indescritível, que meu filho de dez anos chama de”mico”; Poxa mãe que mico!!!

Eu sei que danço a fluidez o dia todo, no trabalho às vezes assertividade. Danço criatividade e afetividade com as crianças pra quem dou aulas, as vezes faço minha dança de sedução no chuveiro pra mim mesma. Hoje eu não sei se dançar é que muda a gente ou a gente é que muda dançando. Mas o que importa, mesmo, é que esse caminho não tem volta!

Vila Velha/ES - 31/10/2009

Zeni Bannitz
Enviado por Zeni Bannitz em 31/10/2009
Reeditado em 31/10/2009
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