Compatibilizando o incompatível

Dizem que a verdadeira e única compatibilidade entre os sexos não vai além da horizontal. Pelo que me consta esta afirmação não configura um dogma, pelo contrário, sei, inclusive, de inúmeras divergências nesse setor. Na minha visão, são justamente as imensas diferenças entre homens e mulheres que permitem uma estranha compatibilidade entre os gêneros, na verdade, mais do que compatível, os sexos são complementares. Claro que às vezes estas diferenças de abordagem podem gerar um estranhamento, mas ao fim das contas a tendência é o ajuste. Não digo isso não com intuito de defender um certo esprit de corps masculino – do tipo, ele esta dizendo isso para parecer gentil com as mulheres e livrar a cara dos homens - mas como uma constatação de um fato natural, em que ambas as partes, homens e mulheres, encontram-se envolvidos.

Todos os dias podemos presenciar, principalmente os casados como eu, situações em que as diferenças se apresentam de forma crua, mas nem sempre nua, para desalento dos homens.

Outro dia estávamos eu, minha esposa e os três rebentos, sendo duas meninas mais velhas, e o menino, no templo do consumo moderno adorando o deus cartão de crédito – no shopping comprando roupas para as crianças - e, após andar mais quilômetros do que a Coluna Prestes, a tropa, tendo acampado numa loja de departamentos, um inferno com cabideiros, entrou no provador com o intuito de experimentar uma calça na mais velha. Assumi minha posição de agente passivo, que nada sabe e nada opina em questões de moda infantil, a não ser no uniforme do flamengo do guri, e recostei-me numa pilastra. Os dez primeiros minutos foram tranqüilos, só tive que botar para correr dois funcionários da loja que tentavam me empurrar mais um cartão de crédito, fui até gentil ao explicar de maneira educada, mas contundente, que eu não queria mais uma m... de cartão, que essa p.... de cartão só serve para nos endividar e que eu já estava atolado de dívidas até a PQP. Eles corresponderam as minhas expectativas e não voltaram mais a me importunar. Nos vinte minutos seguintes só tive que explicar ao segurança que eu não era um pedófilo azarando crianças na sessão infantil. Até que por fim, juntou-se a mim um outro desafortunado e iniciamos um diálogo promissor.

_ Sempre sobra pra gente né amigo. Disse o homem quebrando o gelo.

_ Pois é. Respondi com minha costumeira eloqüência.

_ Minha mulher já rodou a cidade inteira, só no shopping é a terceira vez, atrás de um sutiã, e não gostou de nenhum. Aposto que vai sair lá de dentro dizendo que não gostou e vai querer voltar na primeira loja que entramos hoje.

Balancei a cabeça em anuência.

_ Aí vem ela. Gostou amor? Não? Aquele primeiro que você viu? Tá bem, vamos voltar lá.

_ Vale nem a pena apostar, né?

Para não dizer que fiquei atrás do pobre homem, a minha tropa saiu, após vários minutos, e a mais velha decidiu ficar com uma calça que ela viu, mas não havia levado para experimentar.

Na sapataria outra doideira. As duas meninas e a minha esposa ficaram horas escolhendo uns sapatos e chinelos. Escolhemos uma sandália do homem aranha para o moleque. A mocinha da loja trouxe em duas cores e mostrou a meu filho. Num piscar de olhos ele apontou para a azul com vermelho e se decidiu. Ele tem três anos.

Na saída a mais velha me indagou: porque você pagou e esta carregando as bolsas enquanto a mamãe apenas escolheu? Tudo em nome da compatibilidade, respondi num suspiro, sem que a pobre ainda tenha discernimento para alcançar a profundidade da afirmação.

Estes são apenas exemplos de como nós homens diferimos das mulheres no que concerne à questão espaço-tempo, dentro do shopping para elas o tempo não existe, para nós é como se os ponteiros do relógio estivessem arrastando um trator, mas ainda assim encontramos formas de complementarmos nossas programações biológicas e sociológicas distintas. Nesse caso em particular, das compras, tudo acabou com uns chopinhos bem gelados na praça da alimentação. Compatibilidade pura.

Agora, o inverso da moeda também é verdadeiro.

Sábado, por volta das dez da manhã, acorda o marido, claro que não tenho como negar que sou eu, toma seu desejum despreocupadamente, lendo as notícias, divagando sobre como o café já foi mais saboroso um dia, ali meu modorrento. A mulher já lavou duas máquinas de lavar, encaminhou o almoço, limpou o arranhão do cotovelo do menor que caiu da bicicleta, apartou a briga das irmãs e mais uma pá de outras coisas. Por fim pede: _ Bem, lava a louça? _ Poxa mô, acabei de acordar, dá um tempo pra eu engrenar. _ Tá bom, mas aí você leva o lixo pra fora, lava o carro e da banho nas crianças. Após alguns segundos avaliando a desvantagem da proposta, mas ainda sem ânimo para lavar a louça, o marido concorda. Ela vai esperar um tempinho até a louça ficar limpa, mas em compensação... Compatibilidade, preguiça e mercado futuro de louças lavadas se casam que é uma beleza.

E, destas formas variadas, a guerra dos sexos se mostra, na verdade, como um balé ensaiado de trocas de favores, mas não de puro e egoístico interesse, mas de subterfúgios para se alcançar a harmonia dentro da relação.

Sorte a nossa as diferenças existirem, para além das razões óbvias de anatomia, assim podemos declarar a paz entre os sexos e celebrar a nossa incompatibilidade compatível.

CEVDM