O peso do mundo para ombros fracos

Não era normal que ele tivesse a coluna assim tão curvada sendo ainda tão jovem. “O que pode ter acontecido a esse homem?” pensava a menina que mais vivia para pertubar-lhe os ouvidos. Tinha a impressão de que seus ombros sutentavam o mundo todo e via nele o próprio Atlas. Sua curvatura e seus olhos sempre baixos a incomodavam demais. Por vezes ela implicava com ele de propósito só pra ver se ele reagia, mas ele não dizia nada. Passava por ela e se deixava zombar seguindo em frente com sua casa de cupim sendo aos poucos esculpida sobre as costas. Suas roupas eram sempre compridas e cheias de tecidos com tons neutros. Uma visão quase monocromática e que a fazia pensar numa ausência total de alegria. Talvez essa suspeita pudesse ser confirmada se ela conseguisse olhar em seus olhos, mas ele nunca os levantava. Provável que pela sua postura tão submissa diante de tudo, e sua reação tão semelhante diante da vida e da morte faziam com que ele não conseguisse levantar a cabeça e olhar pro alto. Embora nisso ela concordasse com ele: “o que é a vida se não o ínicio da morte?” e questionava “o amanhã é um dia a mais ou um dia a menos?”, mas não entendia por que mesmo pensando assim aquele homem não reagia com o sol entrando janela afora. Será que da janela dele não se via o sol? Enquanto ela via aquele homem carregando o mundo todo em suas costas, ela, mesmo sem perceber, colocava sobre seus ombros o mesmo peso, pois não conseguia se desprender da atenção que aquele homem lhe tomava. Até que um dia ela o viu sorrir, e pode olhar diretamente para seu rosto, um rosto, porém, que já estava pálido e tinha olhos que já não se abriam. Soube que chamava-se Zé da Silva e morava numa rua sem saída em um barraco sem número, sem janelas. A angústia por não saber qual o seu mal se mesclava com as informações tão vagas quanto a vida dele. Sentiu vontade de dizer o quanto ela o amava, mas estava feliz, pois agora ele sorria... Os ombros descansavam... E o mundo deixava de ser um peso para ambos.

Marília de Dirceu
Enviado por Marília de Dirceu em 03/11/2009
Reeditado em 28/09/2012
Código do texto: T1902470
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2009. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.