13

Quando tinha 19 anos adotei o número 13 como meu número da sorte. Não por ser um “do contra” – já que o 13 é interpretado como o número do azar para a maioria das pessoas –, mas por que era meu número na lista de chamada da escola no ano que considerei o melhor ano da minha vida.

13 de julho de 2009. Nesse dia minha afeição por esse número mudou por que tive de carregar o corpo da minha gata numa sacola de mercado pelas ruas da cidade, da minha casa até a praia, para encontrar um lugar onde enterrá-la.

Lembro que minha mãe tinha me ligado para dizer que Luna havia morrido, lembro de não ter acreditado quando ouvi a notícia pelo celular e ter ficado mudo em seguida, pensando em como ela teria morrido, ela parecia tão bem. “Luna morreu...”; minha mãe repetiu secamente no celular, despertei e respondi que estava indo pra casa, nisso ela apenas disse: “De que adianta? Luna morreu...”.

Ela tinha sido envenenada. Não posso dizer ao certo como, ela saia muito na rua à noite e ninguém sabia exatamente por onde ela andava. O único lugar que eu tinha certeza de onde ela sempre ia era um “lava jato” abandonado. Talvez alguém não gostasse das visitas dela e colocou veneno em alguma comida, talvez houvesse veneno no local para manter roedores longe, talvez ela tivesse comido um desses roedores já envenenados... Como saber? O mais estranho é que nos últimos dias ela tinha apresentado alguma melhora... Parece que não tinha melhorado o suficiente.

Chegando em casa, o pequeno corpo dela estava estirado na entrada da sala. Morta. Minha mãe não tinha movido um dedo para tirá-la dali, deixando-a como e onde tinha morrido. Provavelmente estava esperando que eu chegasse. Minha mãe falava coisas sobre jogá-la no lixo, colocá-la num saco, dizia que ela havia se debatido e sofrido um pouco antes de morrer, entre outras coisas que não lembro, pois estava sentado ao lado de Luna, fazendo carinho em seu corpo como se ela ainda estivesse viva.

Quando voltei a mim disse para minha mãe que definitivamente não queria jogá-la no lixo, iria enterrá-la em algum lugar. Já tinha em mente a praia, mas não disse nada sem saber exatamente por que. Minha mãe pegou uma sacola para que eu levasse o corpo dela, quando peguei aquele pequeno corpo para colocá-lo na sacola poderia jurar que quase senti uma batida de seu coraçãozinho, mas era impossível, já tinha em vão procurado algum batimento antes e não havia respiração. Respirei fundo reprimindo e engolindo sentimentos, me controlando, coloquei-a no saco e sai de casa.

Enquanto andava até a praia muitos pensamentos se passavam pela minha cabeça, um deles me instigou mais que todos: “Se eu me visse agora andando na rua, teria qualquer impressão sobre a cena, mas nunca suspeitaria que estivesse carregando uma gata morta na sacola...”.

Ignorei ao máximo que pude todo e qualquer pensamento até chegar à praia. Quando finalmente cheguei vaguei pelas dunas procurando um lugar que eu achasse bom o suficiente para servir de túmulo para Luna, nesse momento minha mente resolveu novamente me pregar peças. Poderia jurar ter ouvido um miado, não um miado comum, mas um miado rouco característico dela. Meu coração apertou um pouco com o susto e abri a sacola rapidamente. Nada. Nem um miado, nem um movimento, nem um suspiro. Novamente respirei fundo, dessa vez quase deixo lágrimas rolarem por minha face, mas minha capacidade de reprimir sentimentos é muito forte e sempre consigo enterrá-los bem fundo em minha alma.

Continuei vagando, não achava nenhum lugar que fosse bom o suficiente para enterrá-la, talvez por que eu apenas não queria enterrá-la, não queria que ela tivesse morrido. Pensando nisso decidi parar e enterrar no primeiro lugar que me agradasse o suficiente... Ali perto, entre duas dunas, me pareceu um lugar bonito e confortável, me agradou o suficiente.

Comecei a cavar com minhas próprias mãos cada centímetro daquela cova improvisada, devo ter levado entre dez e quinze minutos e a cova tinha pouco mais de meio metro e acho que ironicamente quase sete palmos... Depois abri a sacola e peguei Luna, acariciei e beijei sua cabeça uma última vez em seguida a colocando na cova. Nunca pensei que jogar o primeiro punhado de areia para enterrar o corpo de um animal de estimação fosse tão doloroso...

Depois de terminar de tapar o buraco avistei um pedaço de madeira que estava ali perto, peguei e o enterrei próximo ao túmulo de Luna, uma espécie de marco, fiz instintivamente, nem sei explicar aqui por que. Sei apenas que logo após ter feito isso senti como se um peso tivesse se soltado de mim. Chorar foi inevitável... Creio que fiquei chorando e olhando para aquele belo céu estrelado por vários minutos. Em meio às lágrimas pensamentos e lembranças desagradáveis variadas passaram pela minha cabeça. Em meio a tais pensamentos e lembranças olhava para os céus e quase gritava como que para Alguém: “Hipócrita!”. Em meio a esses quase gritos, meu raciocínio buscava alguma compreensão naquilo tudo e minha mente tentava se auto-consolar com as seguintes palavras: “Era só uma gata preta...”; em contrapartida meus sentimentos respondiam para minha mente: “Não era só uma gata! Era a Luna!”.

Finalmente, depois de ter mais uma vez reprimido toda uma tsunami de sentimentos outrora já reprimidos que, por conta da perda de um animal querido, tinham conseguido romper a represa de minha força de vontade, sai da praia para pegar o caminho de casa, seguir minha vida, deixar o passado para o passado. É o que todos fazemos, certo? Sei apenas que depois desse dia o número 13 nunca mais foi o mesmo...

Luna (Novembro de 2008 – 13 de Julho de 2009)