Do I dare disturb the universe?

bem, na verdade isso não deveria ser uma crônica, isso que aqui escrevo é um pedaço do meu diário, portanto, algo diferente de literatura embora tenha peso literário, mas acho que o diário se aproxima mais da vida, o diário é algo mais "Vida" do que uma crônica estilizada. portanto eis aí minha introdução: isso não é uma crônica.

e ainda não terei muitas preocupações estéticas aqui. na verdade decidi passar por aqui porque é domingo, o dia da semana que mais odiava quando era criança, pois era forçado a ir pra igreja, mas atualmente é o dia que mais gosto. o domingo é um dia voltado para a reflexão. o domingo é o alfa e o ômega das semanas, oficialmente o primeiro dia, mas cotidianamente o último dia da semana que passou. uma explicação do contexto do meu domingo: meu pai dorme no quarto ao lado, está em repouso, pois acabou de passar por uma cirurgia de apendicite, na verdade, a cirurgia foi na quinta-feira. minha mãe assiste na tv um programa qualquer sobre macacos na tv a cabo - se não fosse na tv a cabo seria alguma coisa tão inútil ou até mais - e eu passei o dia perdido entre textos complicados, forçando a cabeça com Affonso Romano de Sant'Anna e James Joyce. gostaria de falar sobre esses autores.

Affonso fala muito de Joyce, na verdade, todo mundo fala muito de Joyce, Ulysses isso e aquilo, um monumento, uma obra de arte, o Finnegans Wake também é do caralho, o cara usou 529 línguas e dialetos e misturou tudo e levou 17 anos pra escrever, escreveu uma parte na Suiça e outra na França, se não me engano, Trieste, Zurique e Paris (acho que me engano) - nomes de cidades que muito impressionam a nós, que estamos entre os 999.999 brasileiros que não conhecem a Europa (Affonso, me dê a licença poética) - e tudo muito maravilhoso. E aí li algumas análises. Descobri que o Ulysses se referia ao dia, enquanto o Finnegans Wake era a noite, os sonhos, inconsciente e tudo mais. Lógico, eu, anjo de solidão inefável, me agradei mais da parte da noite e fui ler o Finnegans Wake. Me deparei com algo bizarro, medonho, feroz e gritante. Nunca na minha pequenez e insignificância pude imaginar na vida um livro de quase 700 páginas que não contasse história nenhuma, não seguisse narrativa alguma, não fosse sequer linear, e ponto após ponto não seguisse qualquer lógica. O Finnegans Wake traz imagens puras, e, às vezes, traz letras sobre letras que nada significam se você não tiver conhecimento de, por exemplo, folclore medieval irlandês ou história da Lituânia. Fiquei, estou estupefato.

E aí, umas 20 páginas depois não suportei, ri alto de mim mesmo, e fui ler Ulysses. na verdade Ulysses é mais de leve mas me deu preguiça e eu fui almoçar. mas segue mais ou menos a mesma linha de palavras esquisitas, no entanto tem uma história mais nítida.

foi então que, depois do almoço, e de - fato - ontem ter estudado estatística, que decidi mandar tudo pra puta que pariu e fui ler T.S. Eliot, um autor que sempre considerei uma leitura mais tranquila, o que não quer dizer no entanto que considero fraca ou desprovida de beleza. E, como sempre que me lembro de Baudelaire caio em L'invitation au voyage, caí de cabeça em The Love Song of J. Alfred Prufrock. E agora o ápice do texto e a lição de moral: quando reli esse texto, velho conhecido, eu consegui lê-lo e absorvê-lo de uma maneira totalmente diferente do que antes. Eu li "The Love Song..." com os olhos e a mente que li Finnegans Wake. Preparado para o absurdo. E vi que na verdade todo texto contém a proposta do Finnegans Wake, todo texto literário contém esse decifra-me ou te devoro. Dois pensamentos ao mesmo tempo, como explicou o Joyce. e passei a admirar Joyce com a veneração que antes achava sem sentido quando os outros falavam.

"Do I dare

Disturb the universe?"

é uma pergunta que sempre devemos fazer para nós mesmos, se ousamos ou não perturbar o universo, nosso universo, nossos paradigmas mais profundos, em literatura e em todo o resto (o verso é de Eliot, hahaha, não é meu, é claro). hoje eu perturbei bastante meu universo - até porque hoje é domingo e é dia disso - e cresci bastante. provo também, através desse trem doido que estou escrevendo, que como escrevi ontem, a solidão pode ser boa companheira, e para mim tem sido. pois escrevo essa croniqueta (infeliz, por querer ser pedaço de diário), simplesmente por não ter com quem conversar a respeito das minhas descobertas, mas não é tão ruim quanto parece. sou mesmo um excêntrico de dedões ossudos bebendo um gelado suco de solidão, como escrevi em Revelação. é o meu destino.

Do I dare

Disturb the universe?

num domingo?

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8/11/2009