O “problema” do vestido curto

"E se eu tivesse sido estuprada eu também seria expulsa? Eles agem que nem vândalos e eu sou expulsa? Isso só pode ser Idade Média" (Geisy Villa Nova Arruda – Site Terra).

Não sei onde vamos parar com tanta asneira coletiva e histeria manifesta. O caso da estudante de Turismo Geisy Villa Nova Arruda da Universidade Bandeirante (Uniban – São Bernardo do Campo - SP) da qual foi expulsa por estar usando um vestido curto no dia 22 de outubro não deixa de ser cômico ao mesmo tempo em que se torna sério e complexo. No vestido curto e no sorriso belo da jovem estava em jogo muito mais do que um simples vestido curto ou pernas torneadas de uma bela estudante. Por trás de tudo isso, como por baixo do vestido, esconde-se outras coisas.

Em primeiro lugar, o episódio deixa mais do que evidente nossa cultura patriarcal, machista e “viril”. Um simples vestido “curto” para alguns mais exaltados, foi o pretexto para que alunos e alunas resolvessem apelar contra a garota que certamente mexeu com enrustidos pensamentos “moralizantes” ou “desmoralizantes” do ser humano. Uma turma se formou, um comportamento de manada sádico, agressivo e ameaçador, seguindo todos os mesmos catecismos, resolveram jogar pedras na pobre coitada. Enfurecidos alunos e alunas lançaram mão da tecnologia mais sofisticada da sociedade hodierna e que se encontra presente na maioria dos bolsos das pessoas: o celular. O absurdo foi tamanho que tentaram, inclusive, tirar fotos da genitália da estudante. Para resolver a questão - como de costume - a policia foi chamada e ela saiu escoltada tal como uma bandida ou pecadora sem direito a defesa.

O segundo ponto é curioso. A estudante foi sistematicamente chamada de “puta” ou de “prostituta”. Além disso, foi ameaçada de estupro e linchamento. Convenhamos, mesmo se ela fosse uma garota de programa nenhum daqueles comportamentos que estão à mostra no famigerado Youtube se justificaria. A esfera aqui é a da dignidade humana e o que vimos foi a banalização do cuidado e do respeito ao outro. O que estava menos em questão era a profissão. Em julgamento aberto estava uma garota usando um vestido curto, andando por um pátio e interessada em sair após a aula, tal como não canso de ver nas faculdades que leciono. Talvez fosse mais complicado um decote ou mesmo essas roupas que tapam somente os seios. Sociedade hipócrita essa, pois não cansamos de ver em horários nobres as mesmas roupas e os mesmos comportamentos. A jovem de somente 20 anos poderia estar até nua, mas nada poderia colocar sua dignidade em xeque. Sejamos francos, é bom frisar, em questão não estava a profissão, a pele, a cor do cabelo ou a altura da garota. Ela somente materializou interesses escusos, movimentou a perversa consciência coletiva que ainda rouba da mulher a liberdade e ainda a deixa a segundo plano tratando-a como um ser humano de “terceira categoria”. É lamentável, mas a violência e a barbárie somente foi contida com a chegada da polícia e, obviamente, ainda vai ter sua ressonância em processos judiciais.

O caso da jovem estudante de turismo ainda revela uma outra face da sociedade esrustida, burra e litigiosa. Mostra uma sociedade penal, “moralizante”, “desmoralizante”, longe do processo de civilização e perdida em meios a costumes e tradições vazias e sem lugar para a diferença. A coisa é mais bizarra, pois o acontecimento de desenvolveu em uma Universidade. São inacreditáveis as imagens: se um sujeito desavisado ter a oportunidade de assisti-las pensará em campo de concentração ou no antigo Carandiru, retirando - obviamente - as mochilas e os celulares, verdadeiras pedras tecnológicas. O caso não deixa de revelar, inclusive, o perfil da educação formal e informal presente nas universidades e faculdades. Creio nem ser preciso dizer que as universidades foram criadas justamente para colocar em xeque o comportamento demonstrado ostensivamente pela TV, pela internet e pelos jornais impressos. A própria mídia tem sua culpa no cartório, haja vista que se apega ao famigerado vestido curto e vermelho esquecendo de cumprir o papel social de denúncia, informação e, porque não dizer, de garantia do direito da imagem, da liberdade e da propriedade do próprio corpo. Sua integridade física foi colocada em xeque, sua liberdade retirada e nem por isso foram esquecidas as pedras transformadas em celulares que atiraram flashes e gravações sobre ela. Um verdadeiro absurdo. Absurdo em um país onde nada é sério e que tudo se transforma em sensacionalismo, espetáculo, caso de polícia ou de judiciário. Todavia, que sejam apurados os acontecimentos, que sejam punidos os que agiram de má fé e que Jesus não apareça em tais momentos para não ver seres humanos vitimizados por “pedras celulares”. A coisa ta tão feia que pode sobrar até para Ele.