Ciclo
Anda pequena gota orvalhada, respira o ar frio da madrugada inquieta, despeja teu cintilar sobre o dia que promete chegar.
Uma gota sem destino, lacrimeja intimamente, dilacerada pela certeza de que uma possível lágrima seria o fim de sua existência, caminha resignada.
Perde-se gota matreira nos capins selvagens, espalhados por pastos verdejantes e infestados de tantas gotas indiferentes.
Repara teus versos empoeirados de anos parasitários, refaz tua aurora em sentenças matinais, desprende de sedutoras manifestações simplórias e arquitetadas em becos inúteis.
Sorri gloriosa gota, teus momentos estão a findar-se, delicia-se com o doce sabor do breve existir, baila candidamente sobre as flores sedosas e escarlates.
Sorve intensamente o frio que te faz existir, o calor não demorará a se apoderar de tua forma. Caminha radiante, teus minutos estão a findar.
Sente o escoar de tua existência, a aproximação do fim...
Foi embora linda gota orvalhada, evaporou ao raiar de mais um dia de sol.
Vapor, nuvem, saturação...
Precipitação...
Um ciclo que se completa e a bela gota escoa entre milhões de outras gotas...
Chão, córrego, rio, mar...
Na imensidão do oceano, entre navios, peixes e rochas ainda é possível vislumbrar a gota feliz, intrépida, presenciando dias e noites, aurora e pôr do sol que se sucedem tenazmente.
E aquela gota que completa o oceano, diverte-se com a temporalidade de sua felicidade, pois sabe que mais uma vez chegará o fim de sua existência, quando o calor lhe tocar a forma atual...
Findará...
Renascerá...
Quem sabe um lago será sua nova morada, um rio, talvez...
Não importa...
Será sempre uma gota, contemplando seus pequenos momentos de gloriosa existência.
Assim foi e assim será...
Uma pequena gota.