RITUAL DE CONSAGRAÇÃO

A música é fundamental para a humanidade. Chego a pensar que antes da luz, a explosão da vida foi o som. O estrondo e os ecos que preencheram as sombras e criaram a claridade, o êxtase, o desespero, a cantiga de ninar, o lamento...

A afirmação tímida da gravidez e o sorriso pleno a desdobrar a alegria entre criadora e criatura são a cantiga que acalenta o novo ser no ventre e o ritmo que se expande na barriga empinada no mundo. Minha percepção é contagiada com uma nova gestação, delineada com a viva lembrança dos primeiros movimentos de minha Barbarella há dez anos e com as expectativas da primeira gravidez de Adriana.

O pensamento se expande no nome Isabela. O feto de quase quatro meses cresce com a mãe num corpo que se harmoniza e já tem nome, perfil, caprichos e anseios que se desvelam na transparência das cambraias róseas do enxoval sob os olhares encantados dos pais.

O significado do nome Isabela, aquela que é consagrada pelos deuses, acende o ritual de algumas tribos na África o qual prevê que quando uma mulher está grávida, ela se afasta com as outras mulheres para a selva e lá dançam e rezam até comporem a música do pequeno que vai nascer. A canção é sagrada e acompanhará o ser por toda a vida, será o seu nascimento, casamento, trabalho, sonhos... Se algum dia o indivíduo se afastar de suas convicções, será chamado ao centro da aldeia onde todos cantarão a sua canção e o resgatarão para a sua verdadeira identidade.

A gravidez de Adriana, o sorriso materno que desenha na face o corpo do ventre e a lembrança da leitura sobre o ritual das mulheres grávidas africanas deságuam como versos de uma mãe que fala com a barriga e se preenche com as emoções que reverberam nos inúmeros cordões que sustentam a realidade e a fantasia.

Compartilho com a amiga e compositora Luna Remer a compreensão do sorriso e os versos que consagram a natureza divina de dar vida à luz. A gestação se prolonga e, no ventre da pianista, cresce a linha melódica, certamente sob as luzes de sua maternidade... Em poucos dias, a música está composta, ganha os arranjos de Fernando Bittencourt e de Ana Sônia Barros (flauta) e é gravada em estúdio com as vozes de Luna e Fernando, representando os pais que cantam o desejo e a realização com o novo astro prestes a amanhecer...

De acordo com o ritual, as mulheres se reúnem com a grávida para oferecer a música ao feto. Distante das selvas, o universo feminino busca abrigo num espaço cultural. Não há fogueiras, mas os ânimos se aquecem com a perspectiva de conhecer a canção no mundo. A veste de melodias e palavras que abrigará os sonhos de Isabela por toda a vida se estende e envolve as mulheres com a pureza e a inocência da menina que está por nascer. Um tecido de anseios, o seu amuleto, a sua identidade, o caminho seguro para voltar às origens e perceber o quanto se é importante.

Depois de muita cantoria, os homens se aproximam e compartilham a música. Forma-se um ventre plural com a alegria da mãe e a emoção do pai. Todos entoam a canção de Isabela, consagrando a divindade de formar um novo ser e lhe apresentar ao mundo fortalecido com a possibilidade de ter sua identidade cerzida em poesia e melodia.

A música e a partitura de Consagração Divina (Isabela) estão à disposição no site www.lunaremer.com. Aproveitem a visita para conhecerem as demais composições da pianista e compositora Luna Remer.

Helena Sut
Enviado por Helena Sut em 12/07/2006
Reeditado em 14/07/2006
Código do texto: T192363