Conversa fiada

Escrevi esta crônica em 27.05.2002, no auge da campanha eleitoral. Transcrevo-a, agora, para o leitor verificar que, de certo modo, tive uma premonição do que iria acontecer na política nacional, capitaneada por Lula, o esperto.

Confira se não acertei muito do que acontece hoje. Apenas algumas figuras não são as nomeadas por mim, na ocasião, mas muito parecidas. Boa parte delas, todavia, são exatamente as que previ que tomariam parte no novo governo.

A grande diferença reside na continuidade da política econômica de Fernando Henrique Cardoso e na mudança radical dos "princípios vermelhos" desprezados pelos petistas. Aliás, o Lula disse, algum tempo depois, ter-lhe acontecido uma metamorfose.

E que transformação!

Eis, portanto, o relato daquela época:

Conversa fiada é como conversa de botequim. Despropositada, vazia, que não leva a nada. As pessoas sequer prestam atenção à narrativa. É uma estória que não merece crédito, igual às conversas de político. Ninguém acredita nelas.

Há alguns dias, numa roda de amigos, contei-lhes um sonho pavoroso que tive na noite anterior. O meu sonho situava-se no próximo ano de 2003. As eleições presidenciais de 2002 estavam concluídas e Lula, tendo recebido expressiva votação, era o novo presidente da República.

Eleito, nomeara seus ministros, disposto a governar com o povo, pelo povo e para o povo. Eram muitos os Ministérios, mais que os atuais, pois precisaria abrigar em seus quadros ilustres figuras da esquerda, que trabalharam pela vitoriosa eleição, e da direita, para contemplar os que, embora não tivessem se esforçado para elegê-lo, fariam parte do governo, emprestando-lhe solidário apoio político.

Mercadante, como ministro da Fazenda, suspendera o pagamento da dívida e declarara moratória até que conceituada auditoria – uma equipe da esquerda francesa – confirmasse o total do débito, tendo o cuidado de averiguar se a dívida já não teria sido quitada por valor superior aos empréstimos concedidos com aval do FMI.

No Ministério da Reforma Agrária, José Rainha dava início a ousado programa de distribuição de terras; contava com a assessoria de Pedro Barbudo, do Distrito Federal, exímio conhecedor da política de distribuição de lotes, implantada pelo governador Joaquim Roriz.

As invasões promovidas pelo MST não mais ocorreriam, pois o novo programa contemplaria ampla e irrestrita distribuição de propriedades adquiridas de latifundiários que, em pagamento, receberiam títulos da dívida agrária, vencíveis em trinta anos.

A primeira parcela, claro.

A política de habitação popular, jóia da coroa petista, estava sendo executada por decreto, em ritmo acelerado. Todo proprietário de prédio com mais de sessenta metros quadrados de área teria o excesso confiscado e adotaria como vizinhos, nos diversos cômodos de sua antiga casa, qualquer portador de uma estrela vermelha, tatuada na testa, idéia essa de autoria do ministro da Divulgação Geral, Anthony Garotinho.

Os Ministérios eram tantos que chegaram a superlotar a Esplanada onde estavam localizados. Lembro-me de serem ocupados por Jáder Barbalho, Roseana Sarney, Ciro Gomes, Inocêncio de Oliveira, todos os demais caciques do PMDB, com José Sarney na liderança do Conselho Político, e parte dos do PFL, depois de mudarem de agremiação. O Itamar, satisfazendo antiga aspiração, também estava na nova equipe como embaixador do Brasil na Itália.

Iria solteiro?

Alguns amigos, que me ouviam narrar o sonho, mais parecido com um pesadelo, suspiraram aliviados, quando alguém falou:

“Sonho é conversa fiada!”.

Que alívio!