Meias verdades. Mentiras inteiras. (Maria Mal-Amada)

Crônica extraída do livro Maria Mal-Amada

de Lorena de Macedo

Para o caso de você achar que a lágrima estrangulada no canto do olho em uma estúpida tentativa de se manter imune, deve ser contida a qualquer custo. Para o caso de você querer que o peito inflado de ar substitua as palavras não ditas com a mesma efervescência, como se a força de tudo o que lhe cerca se concentrasse nos músculos que tanto lhe custam.

Noções de paraíso custam caro. Você poupa por anos a fio e ao final, o que consegue comprar não é nada parecido com a idéia inicial. Qualquer coisa mais ou menos, que consiga preencher o espaço vago bem no meio do peitoral.

Não se gabe dos pedaços de verdade que julga conhecer. Não se gabe da satisfação que brota na ponta da língua torta de tanto falar coisas mortas que ninguém quer ouvir. Tudo isso é veneno destilado em pequenas quantidades para que nenhum de nós pudesse perceber.

Mas eu percebi. Percebi como dói ser sugada pela raiva dos outros e servir de escudo para tudo o que não presta. Você reflete a alma do sacana com tanta desenvoltura que eu chego a pensar que sabe exatamente o que está fazendo. Só que você não sabe.

Ninguém sabe. E a beleza por de traz da confusão, é não ter a menor idéia do que se está fazendo e mesmo assim seguir em frente. Fazemos planos tão lindos, achando que tudo será simples e fácil. Como é bom ser ingênua, cabeça fresca e otimista. Como é bom falar sozinha, andar descalça e perder a linha.

Do que você gosta? O que te faz perder a linha? Gosto do farfalhar das plantas do jardim de inverno da casa antiga. O tilintar do sino dos ventos, o grito da vizinha louca chamando para o café. Gosto de você e sei que gosta de mim.

Sei que suas verdades inteiras são tão imutáveis que chegam a te dar dor de cabeça. Não é vergonha desistir de verdades que não te servem mais. Contar uma mentirinha para si mesmo pode até funcionar. Afinal de contas, mentiras inteiras cabem em qualquer lugar.

Então jure de pé junto. Jure com os pés bem coladinhos para não perder o equilíbrio. Jure para si mesmo até se convencer de que tudo depende do ponto de vista. Onde foi que eu escutei isso? Foi de um advogado ou de um professor de física? Acho que dos dois...

Enquanto nossos pensamentos são apenas pensamentos, nós nos protegemos atrás de atitudes calculadas. Contudo, basta falar alto e dar vida ao que pensamos para saber que estamos correndo perigo. Perigo de sermos descobertos e termos que confessar para o mundo inteiro que não somos nada disso.

Murche o peitoral. Postura de troglodita não combina com suas gravatas. Abra o peito para os imperfeitos. Você não precisa viver de armadura o tempo todo. Não precisa de meias verdades ou mentiras inteiras. Não precisa se justificar.

Deixe o ar entrar pelas costelas definidas pela magreza, pela falta de certeza.

Deixe soprar.

Maria

Lorena de Macedo
Enviado por Lorena de Macedo em 16/11/2009
Reeditado em 16/11/2009
Código do texto: T1926916
Copyright © 2009. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.