O Duelo

Ela entrou na sala, e quem olha?

Recriminei-a com meu olhar lateral entre a testa e os óculos de leitura.

Ainda, meio que de cabeça baixa, seguia-a apenas com o olhar até sua cadeira cativa. Aqueeeeeeeeeela, junto da gordinha com sardas, e da coreana de óculos fundo-de-garrafa. Aquelas lunetas no rosto da menina lembrava-me a mim. A idade vinha chegando, me fazendo de escravo daquele instrumento aterrador. Era aquilo, ou sofrer com as dores de cabeça causadas pelo astigmatismo alicerçado a outros defeitos congênitos. Outros que não me importunavam tanto por não incomodar no dia-a-dia

Ainda, meio que, cabisbaixa e sem dizer uma única palavra, ela caminhou e sentou-se. Os meus óculos deveriam pesar tanto quanto a de sua vizinha. Contudo, os óculos somente me faziam lembrar a idade. Caso os usasse desde pequeno, seria mais um assunto vil qualquer. Desconfortável, entretanto.

Dei uma paradinha estratégica na explicação e fiz cara de mau, para reafirmar e dar um peso maior na situação que deixara bem claro o que já estava claro por demais. Quantas vezes dissera à turma que não gostava de atrasos? Como que proposital, apesar da coincidência, o assunto de história tratava sobre ditadura militar. Realmente, algumas vezes e não raro, eu vestia essa máscara. O de ditador. Deixei o ar no ambiente pesado.

Ela entrara na sala. Três em três, de trinta. Um sobrava de trinta e um. Eu. O professor. E, como há um dois dentre conjuntos de “três”, me tornei dois com ela. De uma certa forma, também ela sobrava. E, não era eu quem falava para toda a sala? E ... quem me olhava? De supetão vi que, justamente, ela me dirigia o olhar e me acompanhava o caminhar durante a explicação por todo o batente da sala, que, mais elevado lembrava um minipalco. Deveria ser normal, mas constatar algo naquele olhar feria meus semblantes de professor. Engasguei e tropecei na explicação. Por um ínfimo, instante achei que ela sorriu com meus erros. Isso me fez suar a camisa. Puro nervosismo. Puro improviso. Me senti como um amador, alguém que iniciara a profissão há pouco. Talvez ela fosse cinestésica, e os meus gestos, assim, como o meu andar, faziam-na prestar atenção ainda mais, tanto a mim como na aula. Resolvi parar de gesticular. Sentei-me em minha mesa e findei o assunto.” Dei como dado.” Esbravejei. A conversa deveria estar alta. Eu era mesmo medíocre. Os pontos de qualitativo me vieram à mente. Ela não receberia mais tais pontuações da minha matéria. Quis sair da sala, fugir, mas não o fiz. Enfrentei-os. Logo comecei outro assunto.

Enquanto isso...

Na sala, três conversam continuamente. O assunto ecoa igual no ambiente todo por inteiro. O professor, eu, dá a aula. De três em três, somente seis ouvem o professor. O restante está apático, com um frenético brilho intocável. Isso deveria ser bom. Ganharia uns trocados ao estender o trabalho na recuperação. Levaria muitos para lá. Quando eu, o professor, o mestre, the teacher, findo o monólogo, vinte e quatro conversam de três em três. Percebo, sim!

Seis que assistiram ao monólogo docente, dentre os trinta e poucos alunos, permanecem para questionar. Retroativa, a última, aquela que chegara atrasada, fora a única a beijar-me a lição na boca antes de se ir. Ela queria mudar o erro da primeira falta, o de chegar somente na aula subseqüente, enquanto o restante cuspia tal coisa em minha cara, ao caminhar para a saída de emergência da sala. A mesma. A porta de entrada.