Ter e não ser

Não importa quem você seja. Pouco importa o que você sente. Seus sonhos? Sentimentos? Tudo balela! Não importam seus valores, seus desejos, sua ética, suas qualidades, suas virtudes. Não faz a mínima diferença seu talento, suas virtudes.

Talento para quê? O que menos importa é o seu talento.

Quem é você? Quem você pensa que é? Se você não tem dinheiro, poder, status, nada importa.

Esta é a sociedade do ter. É o tempo de ter. O que importa simplesmente é ter, ou aparenta ter. E aí toda sorte de habilidade para se estabelecer interessa. Vale a pena mentir, ludibriar, escamotear com a verdade. O que é a verdade? Não interessa.

Em todos os meandros das relações humanas estão colocadas as relações de escambo, o estabelecimento do mais forte. Pense em uma única atividade humana onde não estão estabelecidas relações de poder? Não há. É sempre a tônica do mais forte contra o mais fraco, o esperto querendo se dá bem em cima do mais fraco. A lei da sobrevivência, do mais forte.

As relações de trabalho são pautadas pela competição, que fundamenta também o comércio. Não há saída para o humano. Ser humano é isso, é a adaptação a este sistema de relações onde sempre há que se ter um papel a cumprir. Você tem que ser gerente, policial, padre, comerciário, bancário, psicólogo. É possível existir sem um papel a cumprir? E se simplesmente o sujeito não querer ser nada? Eu não quero ser, ou melhor, ter nada. Carros, casa própria, um emprego... Enfim, qualquer coisa. Não dá. Como vai ser? Como vai comer, vestir, onde vai dormir? Não adianta. Não há saída.

E se eu disser que não quero mais? Não quero mais ter para ser. Não quero mais desempenhar qualquer papel. Mas preciso comer, preciso vestir, preciso ser exemplo para meu filho. Às vezes penso o que vai ser dele. Um sujeito fracassado ou alguém de sucesso na vida? Papai aqui deu certo? Aparentemente sim, já que não sou bandido, não estou internado em alguma instituição psiquiátrica, cumpro com meus deveres, tenho meu trabalho. O que me falta? Um carro? Uma casa própria?

Sou louco, suponho. Ou nem isso, porque não falo só, e me submeto a uma realidade completamente alienante. Como posso acordar todas as manhãs e enfrentar ônibus lotados, engarrafamentos quilométricos, um dia de trabalho cansativo, mal remunerado, chefes autoritários, colegas de trabalho falsos, sindicatos pelegos? Como posso? Como consigo repetir esta rotina todos os dias? Deus, não encontro respostas.

Um texto escrito para ninguém, para todos que ainda se perguntam por quê? Para quê? Eu não sei. Sinceramente não sei como ainda consigo...

Marcio de Souza
Enviado por Marcio de Souza em 17/11/2009
Reeditado em 13/10/2010
Código do texto: T1928893
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