Síndico maluco

Os moradores do Edifício Manuela, situado em região nobre da cidade de Brasília, viviam confortavelmente em seus amplos apartamentos de quatro quartos, avarandados, com vista para o famoso Parque da Cidade.

Na cobertura, desfrutavam de amplo salão de festas, elegantemente mobiliado. A churrasqueira comportava bom número de participantes, bem acomodados em mesas dispostas em agradável distribuição. Salão de jogos, sauna e pista de Cooper completavam o ambiente festivo e familiar compartilhado pelos condôminos.

Os vinte e quatro apartamentos do edifício pertenciam a proprietários da classe média do Distrito Federal. Médicos, engenheiros, advogados, militares de alta patente, empresários e até um juiz da Corte local dividiam os espaços em harmonia.

Tratavam-se mutuamente sem formalidades, porém respeitosamente. Eram servidos por excelente equipe de limpeza, manutenção e segurança. O prédio contava com avançado sistema de comunicação e vigilância eletrônicas.

A administração era exercida por um Síndico, eleito democraticamente pelos condôminos, assessorado por um Conselho Consultivo composto por profissionais de diversas especialidades. Tudo funcionava perfeitamente, sem contratempos ou problemas de ordem social e muito menos moral.

Os meses passavam celeremente. O calendário virava as folhinhas a cada dia, sem novidades, sem querelas ou desgosto de qualquer natureza. Terminado o período anual de vigência do mandato do Síndico e do Conselho Consultivo, havia pessoas dispostas a submeterem seus nomes à escolha dos vinte e quatro chefes de família que ali viviam tranquilamente. Os votos dos proprietários eram ofertados com absoluta certeza de que a boa administração, a paz e o convívio social invejável seriam mantidos.

Um novo Síndico, proprietário de recente aquisição de uma das unidades residenciais, foi eleito para administrar o prédio. Tratava-se de homem de idade madura, bem apessoado, inteligente, educado e se dizia formado em engenharia civil.

Administrou o primeiro ano com elogios pela austeridade nos gastos condominiais, trabalho de primeira linha, manutenção da ordem, zelo e dedicação.

Aqui e ali se notavam certos exageros em suas exigências, no destempero verbal e na condução de problemas de pouca significação. Os demais moradores faziam “vista grossa” ou “ouvido de mercador”, possivelmente para evitar atritos, embora o Conselho Consultivo, vez ou outra, lhe lembrasse postura mais adequada.

Os fatos aconteceram aos poucos.

Constatou-se ser o Síndico afeito ao uso excessivo de bebidas alcoólicas, ingeridas em seu apartamento situado no quinto andar. Posteriormente, ele mostrou a outra face de seu temperamento: revelou-se encrenqueiro, grosseiro e, sobretudo, violento.

Certa feita, por motivos de somenos importância, bateu à porta de um condômino. Insultou e ameaçou o vizinho de morte. Na ocasião, empunhava arma de grosso calibre. Insatisfeito por qualquer motivo, praticava atos dignos de um descontrolado selvagem.

Em outra oportunidade, lacrou as portas de um carro de luxo, pertencente a um morador, seu novo desafeto. Aplicou cola de alto poder de vedação nas portas do automóvel, as quais somente foram abertas em oficina especializada. Danificou outros veículos, riscou a pintura e maltratou o aspecto nobre de bens de alto valor.

Praticou absurdo digno de um louco, estado mental, aliás, que o levou à precoce aposentadoria por invalidez, situação desconhecida dos demais moradores.

Em uma assembléia, convocada para destituí-lo do cargo, compareceu armado. Desferiu três tiros direcionados aos participantes, sendo contido pela força e suplantado pela experiência de um condômino, militar, presente ao evento.

A partir daí, não mais existiu tranquilidade. As pessoas temiam descer à garagem, receosas de encontrá-lo por trás de uma coluna, à espreita, pronto a atirar ou a praticar algum ato insano.

Muitos condôminos receberam ameaças por telefone e substituíram os números de suas linhas. A saída foi ocultá-las da lista especializada.

Denunciado à polícia por várias vezes, resultou processado e condenado pela justiça, que o sentenciou ao pagamento de três cestas básicas, em um processo, e à indenização de poucos milhares de reais a um condômino, em outro.

Esse maluco ainda mora no edifício. Os demais condôminos sempre que descem à garagem temem encontrá-lo com uma barra de ferro nas mãos ou empunhando um revólver, pronto para atacar.

O terror acentua-se ainda mais quando, por defeito técnico, as câmeras de vídeo estão desligadas.

O homem é maluco.

Continuará, assim, até encontrar outro que bata à sua porta.