Eu já fui "café-com-leite" e você?

Nas padarias a mistura de café com leite é conhecida como pingado. É uma bebida que habitualmente é servida quente e acompanhada de pão com manteiga. Muito apreciada nas rodoviárias, principalmente ás manhãs, por pessoas humildes em situações de viagens.

Sentadas bem próximas ao balcão, agitando o interior do copo com uma colher, elas promovem uma mistura inseparável entre o café e leite. A bebida fica amarronzada. Já não é mais café, tampouco não é mais tão somente leite.

E o gosto, meio que, parece que pende para os dois.

Pingado é a expressão que denomina esta bebida. Fácil de fazer, basta apenas colocar uma certa quantidade de leite a gosto dentro de um copo e depois pingar o café, ou vice-versa. Mexa o conteúdo com uma colher. Experimente.

Se estiver amargo adicione açúcar a gosto. Esse é o pingado ou o café-com-leite; já a expressão : “ ___Ele é café-com-leite!” é outra coisa!

“Ele é café-com-leite!” Quando eu era criança, esta era uma expressão bastante comum em nossas brincadeiras. Ela servia para pré-determinar entre nós, as crianças, no desenrolar das brincadeiras e outras atividades, tais como, jogos, danças, cantigas, quadrinhas e etc, os que iriam brincar de verdade ( pra criança brincadeira é uma coisa séria) e os que iriam brincar de “brincadeirinha”, ou seja, de mentirinha!

Esta interessante atitude infantil era propiciadora de uma necessária integração, pois permitia que uma criança com menos idade que a dos outros amigos não ficasse fora da brincadeira. O “café-com-leite”, aquele que estava brincando de “mentirinha”, compartilhava o riso, a farra, a gritaria, o corre-corre, sem obedecer rigidamente as regras estabelecidas para aquele jogo em questão. Quando alguém esquecia e fazia cobrança de regras para o pequeno em questão, era imediatamente alertado pelos demais que “ __Pra ele não vale! Ele é café-com-leite!”.

Este aviso recolocava novamente as coisas em seu devido lugar.

É interessante percebermos que seguindo o leito natural do desenvolvimento, conforme o “café-com-leite” ia crescendo ele ia reclamando o direito de brincar de verdade, o que não raro, era bastante questionado, pois comumente ele não dispunha de força suficiente ainda para encarar de igual para igual os “marmanjos”. Mas lá ficava o “café-com-leite” enchendo a paciência dos mais velhos, reinvidicando o direito de brincar de verdade, pois brincar como café-com-leite, era ser considerado criancinha. Muitas e muitas vezes, já de saco cheio com as birras e reclamações do pequeno em questão, piscavamos os olhos uns para os outros e afirmavamos ao “café-com-leite” que ele estava brincando de verdade; depois ríamos do seu esforço quase mortal, dentro dos jogos. Mas o certo é que dia menos dia, nós percebíamos que de acordo com o seu desempenho, o pequeno estava apto a brincar de verdade e, então ele passava a jogar seriamente, obedecendo fielmente as regras estabelecidas e ganhando os louros das vitórias ou sofrendo castigos e humilhações em situações de derrota.

Relembrando esta passagem do “café-com-leite”, tão rara hoje em dia, pois agora as crianças de agora estão e são mais envolvidas com games e computadores, não correm tanto pelas ruas ou em peladas de futebol, me admiro que, nós mesmos, ainda que pequenos, promovíamos a contento a integração entre os maiores e os menores usando deste inteligente expediente.

Mais tarde, estudante de Psicologia, fui saber que Piaget, em seus estudos, apregoava que as crianças tem o seu desenvolvimento efetuado através de estágios; e que os estágios de desenvolvimento é que permite que cada criança seja capaz de realizar determinada tarefa e que, a passagem de um estágio a outro, ocorre, quase sempre, dentro determinada faixa etária.

A mudança de um estágio pro outro é mais ou menos como um leite que vai se adicionando café. Bem, o que, um homem da ciência levou anos investigando, nós, já o sabiamos intuitiva e empiricamente, em nossos tempos de crianças!