PEQUENA LEMBRANÇA DE NADA

Uma vez faltou luz. Acendeu-se uma vela na cozinha, porque a panela de pressão continuava a chiar como se fosse um hit monótono a tocar.

Brincava dois meninos pequenos com uma motinha de fricção, e ouvia-se um jogo de futebol num radinho de pilha. O locutor falava tão depressa; quem podia entender. Sabia-se que Vasco e Fluminense jogavam.

Tinha-se medo de assombrações, lobisomens e aguardava-se a volta da energia como um fervor de oração.

Uma voz sussurrante veio aparecendo na escuridão com uma vela na mão. Não, não era uma assombração; era a vizinha que viera pedir uma xícara de açúcar. Mas o que se faz com uma xícara de açúcar? Toma logo um pacote de açúcar. Mas tudo pela hora da morte, vizinha. Deus proverá. Deus provendo da mão de um para o outro. A mercearia já fechou. Nem vende mais a fiado. Diz que não agüenta mais calote.

A luz voltou. O radinho de pilha, o locutor acelerado pareceu acelerar ainda mais. Os meninos esqueceram a motinha. A televisão foi ligada. Esperava-se um tempinho até as válvulas esquentarem.

Na casa, a mesma rua alguém arrastou uma cadeira até o portão e ficou sentado, espantando os mosquitos das pernas com uma toalha.

E a novela? O jornal acaba logo, e rapidinho... É um radinho com imagem, o locutor falando rapidamente, de forma resumida.

Amanhã será sábado: dia de cantar os passarinhos!

Rodney Aragão