Manhas de Tamanqueiro

No Brasil, a desesperança é tão grande que o negócio mais rendoso na atualidade é a fé. Igrejas de todo jeito pipocam em todos os lugares. Quanto mais pobre uma vizinhança, mais surgem pastores para curar males do corpo e da alma. Estão curando até males de chifre.

Naturalmente, os emissários de Deus tiram um trocado dos bolsos dos crentes que buscam salvação. Salvando-se, ou não, deixarão uma parte do seu rico (ou pobre?) dinheirinho na conta dos salvadores.

Existem pregadores que não constroem templos nem tomam dinheiro dos necessitados. José Olegário é um deles. Maranhense de Codó, fabricante artesanal de tamancos, ele se interessa por carne humana. Interesse sexual.

À porta da tamancaria, diariamente, mocinhas desconsoladas procuram receitar-se com o fabricante de calçados. Ele liberta as agruras das fiéis na cama. Duma só tamancada (desculpem o trocadilho), ficam satisfeitos o pastor e a ovelha desgarrada. Às vezes, quando ele gosta mesmo, a incauta que entrou usando rasteirinhas sai pisando um dos produtos da casa.

Zé tamanqueiro tem faro para novas vítimas. Passeando pelo bairro dos Estados, ele viu Rosa entrando na casa de Malaquias e Maria José. Viu-a e interessou-se pela maranhensezinha mirrada de 30 anos: “Epa, carne nova no pedaço!”, pensou.

Deu uma volta no quarteirão, desceu da moto e tocou a campainha. Malaquias, crente fervoroso, abriu o portão e Zé Tamanqueiro, depois de uns louvados-seja-nosso-senhor-jesus-cristo, foi convidado a entrar.

Os olhos de José Olegário vasculhavam o terreno à procura de Rosa. Quando a moça surgiu com a bandeja de café, o tamanqueiro resolveu dar o bote. Depois do cerca-lourenço, com aquela conversa mole cheia de nove horas, atacou:

- Malaquias, onde é que tu arranjou essa morena?

- Ah, Zé Olegário, ela é filha de uma comadre nossa lá do Maranhão. A bichinha tá cheia de problemas e Maria José resolveu trazê-la pra ver se a gente consegue dar-lhe um rumo na nossa igreja.

- Malaca, num sei não... Tu sabe que eu sou experiente nessas coisas. Com meu nourráu (É. Pra enrolar, o tamanqueiro apela até pro inglês.), eu vejo que o problema dessa menina é hormônio...

Malaquias tossiu e olhou pros lados em busca do socorro da patroa. Mazé não apareceu. Olegário continuou:

- Olha, Malaquias, se tu quiseres, eu levo essa menina pra minha casa, faço-lhe umas rezas, dou-lhe uns banhos de ervas e em três meses ela tá curada. Se der certo, eu até caso com ela; se não, eu devolvo a bichinha e vocês tentam resolver lá com esses pastores. Vocês não têm nada a perder...

Malaquias, conhecedor da fama de Zé Olegário, rebateu:

- Negócio bom, né, Zé? É que nem fazendo tamanco... Tu tá querendo que a menina entre com o couro, e tu só entra com o pau, né? Num vai dar certo não... Deixa que a gente vai curar Rosinha com a ajuda de Deus... – E, pra mostrar que a visita tinha acabado, levantou-se da rede, tossiu, e gritou lá pra dentro da casa:

- Mazé, abre o portão que o tamanqueiro já tá de saída!

e-mail: zepinheiro1@ibest.com.br

Aroldo Pinheiro
Enviado por Aroldo Pinheiro em 20/11/2009
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