FATO EMOCIONANTE

Fato emocionante acontecera-me numa das últimas viagens ao litoral. Estávamos no calçadão, à beira da praia, defronte do hotel enquanto Alfredo passava-me filtro solar, pois o sol escaldante e radioso cascateava sobre as águas num convite irrecusável para um banho de mar. Com olhos sempre novos, observava tudo.

Admirava as pessoas, o mar com suas cristas espumantes, abraçado por um céu de azul turquesa, orquestrado pela sinfonia da folhagem dos coqueiros levada pela aragem marítima. Encantava-me com a garoa que respingava meu corpo ao som cadenciado das ondas. E foi aí que um grupo muito alegre de pessoas passara por nós. Ainda o olhei distanciando-se rumo às areias brancas da praia.

O ser humano ocupa o maior e o mais importante lugar no meu coração. São sempre seres plenos a enfeitarem os meus caminhos, nesse efêmero passeio pela vida. Reputo-os mestres, mesmo sem cartilha, sem palavras. Qual não fora a surpresa, quando o grupo inteiro retornara como se tivesse esquecido alguma coisa ou desistido do mar. Todos, com sorrisos estampando os rostos e numa só voz perguntaram-me: Você é a Genaura, não é? Lemos o Pássaro Sem Asas!

Aquilo foi emocionante. Pessoas esplêndidas! Que capacidade superior de afeto! Ficamos encantados e, por incrível que pareça, passamos aquele último dia do ano com elas. Tinham um apartamento de veraneio naquela praia.

Depois, fomos convidados para uma visita ao sítio da família. Dado o carinho, a sinceridade do convite e a alegria que nos tomava a alma, não podíamos mesmo deixar de aceitar. Acertamos que um cicerone viria nos guiar até o sítio. Ainda no hotel, antes da saída, recebi um telefonema perguntando-me qual a cor preferida entre o vermelho e o amarelo. Imaginei tratar-se de flores e respondi: VERMELHO!

A viagem fora ótima e curta. A recepção, excelente. O sítio assemelhava-se a um cartão postal. Avistado ao pé de uma montanha, parecia a terra prometida. Sua natureza verde contrastava a aridez das terras do local. Parecia um oásis. Poucas vezes havia-me deparado com paisagem tão linda. A casa estava em festa. Fomos recebidos com churrasco de carneiro e muita amabilidade.

Logo fomos encaminhados ao nosso quarto. Surpresa! Era uma linda suíte. Toda a roupa de cama de linho vermelho bordado, com toalhas felpudas vermelhas, além de linda rede da mesma cor. Também, um único botão de rosa vermelha ornava o recinto num solitário de prata. Da janela, um descanso para os olhos e festa para o coração: uma vasta planície de relva verde ao pé da montanha, enfeitada por coqueiros que tremulavam ao açoite do vento, feito bandeiras hasteadas.

Um cheiro de flores silvestres, de fruta madura, invadia o recinto numa suave brisa. O sol incandescente, daquela manhã, transmitia magia, mistério, e dava viço à relva, onde pastava um rebanho de brancas ovelhas sob um céu primaveril, bordado de nuvens movediças, feito flocos de algodão doce.

Logo pude compreender o segredo das cores: o quarto destinado aos nossos filhos era igualmente decorado de amarelo-ouro. Ficamos encantados!

A sala de jantar enorme, provida com duas grandes mesas de centros giratórios superpostos, exibindo as mais diversas e finas iguarias da região. Os serviçais amáveis e devidamente vestidos lembravam-me os requintes das tradicionais famílias imperiais. Tudo enfeitado por grande ternura.

No almoço, houve até discurso. E que discurso! A oradora era nada menos do que uma doutora em lingüística e mestra na Universidade. Elogiava meu livro e falava do bem que havia feito à anfitriã quando recomendado por um médico da Capital. Fiquei pasmada e realmente feliz. Quase não acreditava que era dirigido a mim. Precisava beliscar-me.

Além do carinho daquela gente, chamou-me muito a atenção a casa do sítio. Verdadeira casa-mor. Construída de pedras, suas paredes possuíam um metro e oito centímetros de largura. Teria pertencido a uma condessa nos primórdios do Brasil. Lembrei-me das Capitanias Hereditárias, dos títulos honoríficos... Como gostaria de pesquisar toda aquela história!

A casa muito grande, com muitos cômodos devidamente decorados parecia levar-nos ao passado. Arsenal de armas e montaria, muita prata, objetos e móveis antigos, por vezes, davam-me a impressão de que iria deparar-me com uma daquelas damas antigas vestidas a rigor, ou com um cavalheiro com penacho no chapéu.

Que passeio lindo! Que gente afetiva! Parece um sonho ou um filme a descortinar-se diante das minhas retinas. Como lembrar é viver, eu revivo sempre esses momentos lindos!

Ainda no litoral, fiquei sabendo que frases de Pássaro Sem Asas, em letras garrafais, encontravam-se afixadas em murais e paredes de clínica. É uma grande responsabilidade, mas pode ser também alguma ajuda para tornar acesos os sonhos adormecidos — pensei agradecida, mais uma vez, por haver tido a ideia de escrever o livro.

Genaura Tormin
Enviado por Genaura Tormin em 22/11/2009
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