UM JORNAL ESPECIAL

Na Feira do Livro deste ano, em Porto Alegre, um conhecido escritor gaúcho lançou um livro tratando dos quarentões. Sobre estes, esgotei minha série no Recanto, passei dos cinquenta.

Todas as idades são boas com pequenas diferenças. Quando tem dezoito, vinte, um pouco menos ou mais, o jovem olha para a namorada, com um olhar que indica uma possível sacanagem e diz:

- Quem sabe?

Ela responde:

- Vamos!

Quando alguém da minha faixa etária olha para a esposa, a quem uns chamam de mãe ou vó, faz o mesmo olhar, que ainda lembra, e diz:

- Vamos?

Ela não raramente responde:

- Quem sabe?

Sobram as boas histórias, vivências que justificam a existência e tornam alegres as conversas com os amigos que não se incomodam quando contamos, de novo, a mesma, só porque um ou dois no grupo ainda não ouviram.

O bom é que ainda tem muita história.

Não foram poucas as vezes em que, sendo o sapato com solado de couro agradável, coloquei um papelão na sola, quando furou, para usar mais alguns dias. Não colocava uma meia sola pois não havia necessidade. Comprava outro. Sorte minha.

Sorte que não teve o Ezequiel, que era um adolescente feliz, oriundo de uma família honrada, porém de poucas posses, e cheio de convicções de que o futuro guardava para ele um conjunto de oportunidades e felicidades que ele começava a experimentar. Anos 70.

Porte atlético, biótipo de atleta, desenvoltura como jogador de futebol e uma cara apreciável, virou o preferido das menininhas da escola. E na escola todo mundo é igual. Mais ou menos. Uns são mais ricos, outros são mais bonitos, enfim, cada um, cada um.

Começou a namorar a Núria. Núria Regina como a mãe a chamava.

Na cidade nem tão pequena do interior, ele chegava da vila e ela do melhor edifício, da cobertura. Os dias passaram, a Núria insistiu e ele foi ao apartamento da família da moça. O sapato furado havia alguns dias e ele, que pensava em mandar fazer uma meia sola, resolvia o problema momentâneo com um pedaço de jornal, que dobrava em oito para que resistisse todo dia.

Ao chegar, foi apresentado à mãe e ao pai da moça que o convidou para sentarem na sala e conversar um pouco. Praxe da época.

O Ezequiel sentou na cadeira defronte ao futuro sogro e cruzou distraidamente a perna, deixando a sola do sapato furado no visual do sogrão. Quando este olhou na direção do sapato, imediatamente lembrou e, discretamente, buscou colocar o pé em posição mais adequada, enquanto o irônico anfitrião, comentou:

- Já li o jornal hoje!