RECORDAR É VIVER !

Ainda lembro do meu tempo de criança, pode não parecer verdade, mas eu ainda era pura esperança, como diria Thayde...

Aquela lembrança de acordar cedo, as vezes, nem tão cedo, mas ir direto para a frente da TV e assistir ora o xou da xuxa ora o programa do bozo, e gritar para o cavalinho malhado ganhar, e este cavalo miserável nunca ganhar ... beber nescau e se arrumar para ir a escola, o único compromiso de verdade.

Assistir as aulas e torcer para o recreio chegar logo, suspirar com aquela menina bonita no pátio a qual o ano inteiro criava coragem de falar alguma coisa e quando conseguia falar, perder a graça instintivamente ... ruborizar e cair na galhofa dos amigos ... Mais tarde um pouco, um pouco mais velho, aquelas festas americanas, onde as meninas levavam um salgado ( quase sempre skinny ) e os meninos levavam o refrigerante ( sim, era o litrão de coca cola ou de fanta limão, de vidro, obviamente ) e torcer para chegar a hora da música lenta e aquela garota que eu tentei falar o ano passado inteiro, estar disponível, estar disponível significaria ela não estar acompanhada de um menino mais velho, normal...

Meus pais eram separados na minha infância, aos sábados meu pai me levava para pescar e aos domingos ele me levava para soltar pipa no aterro do flamengo. Nossas pescarias geralmente eram bem proveitosas, minha mãe só não gostava quando eu levava os peixes para nossa casa, pois eu cismava de limpar e preparar os peixes como se fosse um troféu, depois a sujeira e o cheiro maravilhoso, para não dizer o contrário, que emanava durante uns dois dias não eram realmente das melhores lembranças.

Ter chorado na derrota para a frança nos pênaltis naquelas quartas de final da copa do mundo de 1986 não era exatamente uma vergonha, vergonha era ouvir a gracinha dos colegas tricolores e vascaínos na escola durante o restante do ano pelo fato do deus Zico ter perdido um pênalti no tempo normal, quando a partida estava empatada, não me referi aos colegas botafoguenses pois não havia colegas botafoguenses naquela época ...

Muitas emoções, o acidente da challenger, Tancredo Neves, Bateau Mouche, foram episódios que me marcaram muito, as notícias não corriam tão rápido como hoje em dia, com o advento da internet, o uso dos celulares, mas acompanhavamos todos sedentos através da TV ou mesmo do rádio.

As coisas estão muito banalizadas hoje, não acredito que existam mais festas americanas como faziamos antigamente, não deve existir mais paixões platônicas, vide a maioria das músicas ouvidas nas FMs, que se referem aos jovens como um bando de idiotas, que acreditam em outros valores de relacionamento, num mundo hedonista o suficiente para a confiança ser uma dádiva em extinção.

Sim, redes como orkut e facebook são mecanismos de idiotização de massa, onde perfis maravilhosos apenas escondem pessoas vazias e tristes, na maioria das vezes solitárias, com problemas sérios de auto estima e uma grande dificuldade de socialização ... se as pessoas soubessem quantos relacionamentos já foram desfeitos e quantas demisões já foram efetivadas motivados por estas redes maravilhosas, pensariam duas vezes ao se expor desnecessariamente.

Na minha infância e adolescência , não haviam estas besteiras, eu me encontrava com meus amigos em nosso bairro, em nossa quebrada, relacionamentos eram olho no olho, videogame era atari, telefone de uso era o de casa, que deveria ser dividido entre todos os habitantes do lar e posso afirmar que eramos mais felizes.

Quanta responsabilidade tenho hoje em dia ... se pudesse voltar no tempo e negociar com deus, pedir apenas um dia por ano para usufruir do meu passado, seja da minha infância ou da minha adolescência ... ter a roupa lavada pela minha falecida mãe, a bóia quentinha na mesa, aproveitar o dia e a noite poder sentar no sofá com meu falecido pai e perguntá-lo como foi o dia no trabalho ... mas , não é possível , esqueço meus devaneios e sigo em frente ... acreditando num mundo melhor que será herdado pela minha filha, a qual ciclicamente, está na sua infância, que eu me esforço para ser a mais saudável possível, com certeza, com os valores e dogmas do passado, não muito distante ...