DOIS MICOS E UM ARCO IRIS!...

Quarta feira...Um calor insuportável por volta das quatorze horas.Jamais eu saíria de casa a esta hora não fossem os "compromissos inadiáveis" (exagêro!...Nem tanto)a me obrigar submeter-se ao cozimento naquela caldeira.O prenúncio de uma chuva servia de alento para encarar a situação.

Aproveitei para estrear o par de tênis novo que comprei há poucos dias.

Coroa quando calça tênis,veste bermuda de jeans e camisa polo,"se acha!" (Eu estava literalmente "me achando").Apesar de tratar-se de um tênis bem discreto,atendendo às recomendações da polaca (nada de tiras brancas ou vermelhas;não combinam.Na tua idade,alguma coisa em preto ou cinza vai lhe cair bem).Escolhi um preto,mas comprei um par de meias brancas com um pequeno detalhesinho em vermelho,que é "prá tirar o mau olhado".

Mal acabo de sair de casa e um verdadeiro dilúvio assola-se sobre a cidade.Tudo fica bem mais complicado e só consigo estacionar numa rua de pouco movimento em frente a um bar que está recheado de "ocupadíssimos articuladores" e habilidosos "levantadores de copos" e "seguradores de tacos".

PRIMEIRO MICO:

Debaixo da marquize,algumas dezenas de pessoas aglomeradas esperam a chuva passar.À mim,isso não tem a menor importância...Sou um senhor precavido,carrego sempre um guarda chuva no carro.Ponho o pé esquerdo pra fora...Tempo suficiente para encharcar o meu tênis novo.Mesmo assim,faço pose!Dou uma agitada para desenrolar o tecido da "umbrela" e até esqueço-me de que estou de posse de um legítimo "Made in China"...Aperto-lhe o dispositivo e automaticamente êle se arma.E mais automaticamente ainda,alça um vôo feito um corvo em direção ao bar.Desolado,observo apenas o seu cabo preso à minha mão.Se tivesse coragem,o suficiente,de olhar-me no espelho,certamente viria a cara de cachorro abandonado que me acometera.Um sonoro gargalhar ecooa entre as paredes do bar.Debaixo da marquise,um engraçadinho aproveita para dar um chuta no corvo cambaleante que acabara de atravessar a rua.

Cheio de razão (leia-se a somatória de raiva + vergonha) encaro a chuva que não dá trégua.Agora com os dois pés encharcados,vou ganhando a rua.Sigo em direção a uma loja de tintas que fica numa esquina movimentada não muito distante dali.Agora na casa de tintas,nem imagino que aproxima-se o:

SEGUNDO MICO:

A balconista muito atenciosa,prepara-me um quilo da tinta na cor solicitada.Trocamos algumas palavras,sobre o toró,naturalmente...Do outro lado da rua,lojas,escritórios,um movimento intenso de pessoas.

Vou saindo,devagar,tenho à minha frente dois degraus não muito altos.O piso está molhado...Escorrego no meu tênis novo,desço sentado os dois degraus e faço uma aterrisagem forçada no passeio.A lata de tinta escapa da sacola e dá uma circulada quase entrando debaixo de um carro que passa.A balconista apavorada pergunta-me:

_ Machucou-se?...Senhor!?

Respondo-lhe:

_Não foi nada...Apenas um mico.

Ao contrário do bar,o que pude captar do outro lado da rua foram uns risinhos discretos.A excessão ficou por conta de um senhor,meio gorducho,(sua fisionomia lembrava muito o Dante Marcucci,aqui do recanto)que acabava de concluir uma risadinha ao estilo "Pantera cor de rosa" e com as sobras da mesma ainda pelos cantos da boca balança a cabeça e me consola:

_Acontece,senhor!...

_AAAcooooteeece!!!....(Quá,quá,quá...),nem esperei pelo "senhor".

Depois de dois micos dêste tamanho,reconheço-me merecedor de alguma compensação.Dirijo-me ao "Morro da Santa",uma colina lindíssima,onde a imagem de Nossa Sra.das Graças (uma das maiores do mundo) espia a cidade.

A chuva parou...No alto da colina,do mirante,algumas pesssoas observam a cidade lavada.Compro um sorvete e junto-me à elas.Um festival de "tesoureiros" e "bem-te-vis" faz a festa em voos razantes em torno da imagem.A vista é deslumbrante.A energia que se recebe e a paz que respira-se compensam o constrangimento de centenas de micos.

O céu se abre repentinamente...Pelas serras mais distantes vislumbra-se o tule branco da chuva que ainda perdura.À minha frente,do outro lado da cidade,no topo da 24 de maio,um casarão amarelo me observa.É o querido colégio São Vicente.O sorvete é delicioso,sabor de maracujá!...Vou saboreando,enquanto lá pelas bandas das piscinas do "Olímpico" um arco iris se levanta e abraça a cidade.A beleza é indiscritível!...Um turista (gringo) tenta explicar à sua netinha:

_Êste serr a "Orrco Irris"...

Pronto!...Fui compensado,a carinha de ancantamento da menininha banguela,de sardas no nariz,anulou tudo o que havia me ocorrido.

De volta pra casa,pés encharcados...Gosto de maracujá na boca!No banco do passageiro,solitário,o cabo do guarda chuva me observa e alguns fragmentos de arco iris insistem em me acompanhar pelo retrovisor.

Estou alegre,feliz!...Busco no baú uma antiga canção dos meus tempos de juventude e então vou me esguelando:

"Põe um arco iris na sua moringa,fica lelé da cuca num dia de sol...Praia de Ipanema,Simonal sorrindo,entra num barzinho toma um chopp e sai!...

"Põe um arco iris na sua moringa!..."