NA PRAIA

Valdevino sempre gostou muito de passear pelo calçadão e observar as pessoas na praia. Principalmente os casais. Parecem sempre eternos namorados, mesmo quando não são um casal propriamente dito. Achava muito interessante analisar os perfis a desfilar na sua frente. A diferença entre eles é enorme e curiosa. Diferença não só de um casal para outro, mas também entre cada componente dos pares. Não é difícil encontrar, nas areias, Hércules e Olívia Palito, Cinderela e o Corcunda de Notre Dame ou Peri e Ceci conversando com Zumbi e Iracema. É uma pena não se poder aproximar dessas pessoas tão compenetradas nos seus passeios a dois. Quanta coisa seria descoberta se houvesse a ousadia de interrompê-los por algum tempo. Não mais do que alguns minutos seriam suficientes para matar a curiosidade a matá-lo e também seriam mais que suficientes para acabar com um instante de encantamento iniciado a cada momento.

Devido ao seu instinto perigoso de observar (e pesquisar) a vida alheia já se deu mal mais de uma vez. Não adianta. Quem nasce bisbilhoteiro, morre bisbilhoteiro. Tenta disfarçar, mas a curiosidade, que é mãe das descobertas, irmã da necessidade e tia das invenções, fala alto. Não reclamou nem lutou contra sua natureza (pelo menos até o final desse texto. Depois disso talvez não o veja mais e não poderei mais falar sobre ele. A não ser que o ressuscite em outra história). Foi, então entrevistar um casal avistado com o propósito de uma pesquisa sobre o português coloquial no Brasil (desculpa boa essa, não?).

Calma! Eles estão se aproximando (ou Valdevino é que está na direção deles? Sei lá! Depois do bom-dia, descobrirei).

— Bom dia! (Já descobri. Valdevino é que estava andando em direção ao quiosque onde o casal estava).

— Bom dia!

— Estou pesquisando o português coloquial no Brasil. Vocês poderiam me ajudar?

— Diga lá! – Falou o rapaz.

— Interessante... Uma pesquisa. Sempre quis responder uma pesquisa. – disse a moça.

— Bom, se vocês concordarem...

— Estamos aí para ajudar sempre. – disse o rapaz.

— Estou doida para começar a responder – falou serelepe a moça.

— Pois bem. Primeiramente vou criar nomes fictícios. Você será “Informante Masculino 1” e você será “Informante Feminino 2”.

— Informante? Parece coisa de polícia...

— Calma, querida. É assim que se faz.

— Fiquem tranqüilos. Não perguntarei nada de grave. Só quero saber sobre o uso da língua portuguesa no Brasil. Mais nada. Tudo bem?

O Informante Masculino 1 (IM1) logo controlou a situação e a Informante Feminina 1 (IF1) ficou mais calma. Valdevino fez inúmeras perguntas que não me lembro mais e eles responderam com a maior seriedade. Até que depois de algum tempo IF1 curiosa percebeu que as informações não estavam sendo gravadas. Valdevino ficou gelado (pelo menos eu ficaria).

— É uma nova forma de se trabalhar atualmente. Registram-se as impressões através da emoção do entrevistador e dos entrevistados numa interação sócio-psico-linguística-afetiva conforme teóricos suecos e húngaros do Novíssimo Círculo de Estudos da Linguagem de Bruxelas. É o que há de mais novo em termos de linguagem. As maiores universidades americanas, canadenses e japonesas já adotaram o novo método. O Brasil não poderia ficar de fora. As vinte e sete maiores universidades do país já adotaram o método.

— Amor, nós estamos participando de uma entrevista com o método do Novíssimo Círculo de Estudos da Linguagem de Bruxelas! Isso não é bárbaro? – disse IF1.

— Claro, querida! Veio da Europa! E olha que não nasceu na Grécia e nem em Roma. Nem sabia que alguma coisa boa vinha de outro lugar que não fosse Grécia e Roma. Mas, se os Estados Unidos adotaram, é porque é bom.

— Você fala tão bonito, amor...

— Bobagem, querida. Eu só leio algumas coisas e converso com gente inteligente...

— Ai... ai... Esse é o meu morzinho...

— Essa é minha gata!

E ficaram esfregando o nariz um no outro. Se abraçando... E a pesquisa valdevina parada... Pigarreou Valdevino com a mão direita fechada a frente da boca, cabeça pendida e olhar grave. Eles riram desconcertados e voltaram.

A pesquisa continuou e foi descoberto pelo entrevistador quem eles eram. Valdevino ficou estatelado. IF1 era sobrinha do seu patrão e IM1 era filho do novo sócio da empresa. Ele descobriu quando IM1 atendeu ao celular e disse que estava numa reunião importantíssima na One Seven One Co., a empresa onde trabalhava Valdevino. IF1 também foi acionada via celular (malditos aparelhos). Pediu licença e foi atender.

Ela acabara de ser nomeada diretora de recursos humanos também na One Seven One Co., conhecida como OSO. Foi o que disse. E o pior, precisava contratar um novo empregado para o setor onde trabalhava Valdevino, porque o responsável havia faltado no dia anterior e, até àquela hora ainda não havia chegado. Disse que gostou muito de Valdevino e que ele passasse no escritório da empresa no dia seguinte de manhã. Não sei não, mas acho que engoliu em seco.

Valdevino sempre fui um amigo OSO. Agora recebe um abraço OSO. Talvez tenha as costelas quebradas.

Oswaldo Eurico Rodrigues
Enviado por Oswaldo Eurico Rodrigues em 29/11/2009
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