Uma Livraria Fechada

A profusão de seres homo-mercato-encantatum que circulavam freneticamente pelos corredores de um shopping center serrano, no estado do Rio de Janeiro, causava-me perplexidade. Ainda. Sinal de vitalidade pseudo-intelectual? Ou tão-somente capacidade inflada de consumo com IPI reduzido?

Era um domingo de sol e a circulação frenética destes viventes felizes em seu desejo de adquirir sonhos, como se presentes num portal metafísico com uma força de empuxo magistral, colocassem todas as pulsões de um ser-humano no simulacro de dignidade das aleias despersonalizadas no tal neo-templo hipermoderno, jardins suspensos de objectos.

(Happy crowd.)

Ao final de um corredor, transeuntes desfilavam histericamente pela fachada de uma uma livraria fechada. Ninguém desacelera seu pulso para percebê-la ou reconhecê-la como facto digno de dor. Passam em passadas rápidas, pressa, agonia de comprar em dia de descanso, contemplação distante...

Escura, empoeirada, vestígios de uma vida comercial destinada à extinção. Eu enfio meu nariz na vitrine e deixo meu rastro de uma rino-escultura de poeira que se desfaz em minutos. Uma mulher de seios fartos, saltos e portadora de sacolas mil olha-me de

soslaio e a meu nariz com poeira cinza de vitrines ancestrais...

Penso no desejo que uma livraria me desperta. E o facto de desconhecer o endereço da biblioteca municipal desta localidade frustra-me ainda mais. Que faço eu com minha pulsão libinal de lecturas e de passagens?

Os cidadãos ( ainda?)-consumidores (agora) perdem-se de Eros esfregando-se pelo andar e olhar nas vitrines vivas, vazias de sonhos ou insinuações dionisíacas de festivais com bacantes...

Uma lágrima é minha satisfação pulsional.

Onde fica o lócus de desejo neste mundo?

No sexo sem erotismo, na rapidinha sem o olhar?

No vestir uma pele que não pulsa?

Na mercadoria vazia de signos?

No techno-colecionador?

No flâneur-fake de shoppings centers?

No ideal desrealizado de trabalhar para acumular?

O inútil é o vazio que me dignifica. E a suspeita, a vida desperta que me insinua.