CRÔNICA- AS TRANÇAS DE RAPUNZEL

Quinta-feira, último dia de aula do ano. Sentada à sua mesa, a professora olhava distraidamente pela janela enquanto a turma terminava uma tarefa. Lá na última cadeira, Léo pegou um livro. Tentou se concentrar, mas só tinha um pensamento: no dia seguinte seria o encerramento, viriam apenas para as despedidas. Ele estava triste. Não queria se separar de Dona Belinha. Pensativo, ficou a olhá-la. Como era bonita! Em sua imaginação ela era a própria Rapunzel, a mesma dos contos de fada que tanto o impressionava.

Léo jamais iria esquecer o dia em que vira Dona Belinha pela primeira vez. Ela estava linda, parada no meio do pátio da escola, com uma lista na mão. Usava um vestido cor-de-cereja, sandálias altas, de tirinhas, e brincos compridos. O rosto, ele reparou, era bem branquinho, os olhos esverdeados, o cabelo louro caindo numa longa e bonita trança. Impressionante! Ela era Rapunzel, sem tirar nem pôr! Igualzinha àquela da capa do livro.

A moça tinha uma voz mansinha e delicada. Assim que ele a ouviu dizer o seu nome, quase não acreditou. Então estava mesmo na lista dela! Baixou os olhos e agradeceu a Deus. Achou que era um garoto de sorte.

Porém, em pouco tempo, Léo teria uma grande decepção: Dona Belinha era muito diferente do que imaginara. Era esquisita, fria, distante. Pelo menos em se tratando dele. Aliás, ela parecia nem se dar conta de sua presença. Raramente se aproximava, sempre trocava seu nome, nunca lhe perguntava sobre sua vida ou sua família. E ele que pensara que iam ser grandes amigos!

O que Léo não sabia, é que Dona Belinha era a professora dos filhos da gente mais rica da cidade. Ele, vindo de família modesta, estava na turma, era verdade, mas jamais faria parte dela. O que percebia era que ele e os colegas eram muito diferentes. E quando comparava seus sapatos, suas roupas, seu material e até seu lanche com os deles, compreendia porque “Dona Rapunzel” nunca o enxergava lá no cantinho.

Mas ele não ia desistir! Haveria de destacar-se pelos seus méritos. Seu teste de conhecimentos tinha sido excelente, era inteligente, aplicado, pensava rápido, acabava tudo primeiro. Um dia Dona Belinha teria que reconhecê-lo como um bom aluno e então teria chance de aproximar-se dela e ganhar sua atenção.

No afã de mostrar o seu valor o menino se esforçava. Mas que frustração! Nada parecia impressionar a professora. Ela estava sempre mais preocupada em satisfazer, elogiar e atender aos outros alunos. Com estes, era um poço de ternura, se desmanchava em afagos e estímulos. A recompensa, ela sabia, era certa. Prova disso era o grande anel de brilhantes que faiscava em seu dedo e ela não se cansava de admirar.

Num exaustivo trabalho de superar-se a cada dia, Léo se esmerava: tarefas bem feitas, cadernos caprichados, letra perfeita, notas máximas, tudo valia como estratégias para ser notado, mas nada adiantava. Dona Belinha jamais lhe dirigiu sequer um olhar de interesse. Lá no fundo da sala ele estava sempre sozinho, sempre esquecido.

Agora o fim do ano tinha chegado. Inconformado, ele pensava que a professora nunca saberia quem era ele de verdade. Foi para casa e teve uma idéia. Ia fazer um desenho para ela. Pelo menos assim teria alguma coisa para se lembrar dele.

Meio-dia, o sino tocou. Dona Belinha se viu rodeada de flores, abraços, presentes. Todo mundo queria se despedir. Léo não se atreveu. Esperou que os colegas se afastassem. Ao ver-se sozinho aproximou-se. Ela teve um sorrisinho sem graça.

_ Ah, é você Lucas? Pode chegar...

_ Lucas, não...Léo, ele corrigiu. Tenho uma coisa pra senhora...

_Ah, vamos ver.

Olhando distraidamente para os lados ela abriu o papelzinho.

_ Hum... Gostei, disse, dobrando novamente o desenho e guardando-o na bolsa.

Rapidamente ela deu um adeusinho e se foi. Léo ficou ali parado, o rosto ardendo: ela não tinha ligado à mínima! E pensar que ele tinha levado toda a manhã para desenhar e colorir tudo aquilo...

Já em casa, a professora cuidou de guardar as lembranças dos alunos. Tanta coisa linda! De repente achou o papelzinho de Léo. Olhou-o mais uma vez. O desenho mostrava bem: do alto de uma torre, Rapunzel olhava um príncipe tímido, sumido lá embaixo. Belinha não entendeu nada. Que novidade é essa? ela pensou. Menino mais esquisito aquele...

Sem hesitar, atirou o papel na lixeira. Imagine se ia guardar uma bobagem daquelas! Mas por não ter olhado com mais atenção, Belinha não percebeu um detalhe surpreendente: o príncipe, na realidade, era só um menininho perdido no meio do mato, e Rapunzel, ao contrário da verdadeira história, não atirava suas tranças. Havia entre ela e o “príncipe” uma distância imensa, um vazio sem fim, um obstáculo intransponível.

Era só ter reparado com mais carinho e Dona Belinha teria enxergado, revelados naqueles traços, todo o desencanto e solidão que tinha deixado num certo coração...

MARINA ALVES
Enviado por MARINA ALVES em 05/12/2009
Reeditado em 06/12/2009
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