E Fez-se a Luz

Estava tudo escuro e deserto na rua, nas casas. Em todos os lugares o que se ouvia eram os sussurros, e comentários sobre o apagão.

Ninguém sabia o porquê.

Uns diziam que um raio apagou os doze Estados mais o Paraguay, outros falavam em crise no setor energético, outros ainda falavam de conspiração ou domínio alienígena dos meios de produção de energia.

O fato é que o país mergulhou numa verdadeira Babel, em que muitos falavam e ninguém se entendia, até que surge o grande pilar da inteligência humana e diz que todo não passou de outra marolinha, um surto de raios atingiu uma longínqua cidadezinha do interior de São Paulo e por efeito triplo de causas, imprevisíveis, portanto, a luz se apagou.

Mas voltou logo. Foram somente quatro horas, nada mais.

Quatro horas para quem estava em casa, no conforto de uma cama quentinha, ladeado pelo radinho de pilha, já que nem celulares funcionaram naquele dia.

Eu, como já dissertei, estava preso em um elevador comemorando a compra de um apartamento nos andares altos de um prédio. Para mim não foram quatro horinhas, mas uma eternidade.

Eu estava com minha mulher, que não é claustrofóbica, mas aracnofóbica, baratofóbica, insetofóbica, e naquela situação, presa no elevador, estava elevadorfóbica.

Ela se desesperou até sucumbir em seus próprios lamentos. Nada havia a fazer que não esperar, esperar e esperar.

Esperar que alguém nos livrasse daquela prisão involuntária, esperar que alguém sentisse a nossa falta, esperar que a luz finalmente voltasse.

Era noite e estávamos cansados, muito cansados.

A câmera do elevador também não estava funcionando e eu fiquei cheio de ideias. Debalde. O desespero dela suplantou qualquer desejo furtivo que pudesse surgir.

O pensamento teve de sair para outra possibilidade e pensar que aquela caixa poderia ser como a dos filmes e ter um alçapão que nos levaria ao teto, podendo, do lado de dentro, abrir a porta do andar superior.

Nada disso. Sobre a cobertura acrílica do elevador havia lâmpadas (apagadas) e fios elétricos. Nenhuma saída de emergência.

A imaginação começou a divagar. Imaginava sermos salvos pelo corpo de bombeiros. Lá fora uma multidão se acotovelando, jornalistas, tevês, repórteres querendo que respondêssemos às suas perguntas, a Fátima Bernardes anunciando entrevista exclusiva com o casal que passou dias preso ao elevador e o Zeca Camargo prometendo mostrar cenas surpreendentes da câmera interna do edifício.

O cansaço nos dominou. Parei de divagar e adormeci, para acordar com as luzes voltando e um tranco do elevador.

Ninguém nas ruas.

Só os carros das outras vítimas do apagão.

E no rádio ouvimos que o apagão tinha terminado. Fez-se a luz.

Acho que vai dar para assistir o filme “Lula O Filho do Brasil” sem apagão.

Será?

Almir Ramos da Silva
Enviado por Almir Ramos da Silva em 07/12/2009
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