O INFERNO SÃO OS OUTROS

É do filósofo existencialista francês Jean-Paul Sartre a frase que exprime o dilema humano: temos de viver em sociedade, mas o inferno são os outros, porque cada pessoa é um projeto próprio, que se choca ou superpõe ao nosso. Não tenho a pretensão de discutir o pensamento sartriano, que vai muito além de considerações de ocasião, mas a idéia coloca em evidência uma questão crucial para a felicidade na vida de cada pessoa: o indispensável cultivo das relações. Alguns, por dificuldades de temperamento ou visão equivocada de mundo, não se dão conta de que viver é zelar pelos vínculos interpessoais acumulados e, sobretudo, ampliar e enriquecer o universo de afetos e de relacionamentos. Quem - por preconceito ou egoísmo – rejeita o coletivo em nome de uma liberdade ilusoriamente conveniente, pode acabar pagando alto preço, a começar pela solidão. A solidão pode ser a dois, a três, e nem por isso deixará de ser amarga e desoladora como algumas árvores definhando no deserto. Ninguém é obrigado a ser amazônico para viver bem: uma floresta imensa pode sufocar. Mas, acreditem, os males da depressão e do desconforto existencial podem estar intimamente relacionados ao modo como a pessoa comporta-se em face do outro: seu grau de tolerância, de compreensão e sua disposição para abrir portas e janelas. E isso não é coisa de aparências e de visitinhas sociais.

O inferno somos nós mesmos, com nossos dogmas, preconceitos, críticas e exigências, nossa aversão à contrariedade e a resistência ao novo. Há pessoas que a partir de uma determinada idade não conseguem fazer novos amigos, o que, muitas vezes, pode denotar que os amigos antigos não são, de fato, tão íntimos e fraternos. Como dizia Vinícius, a vida é a arte do encontro, embora haja tanto desencontro pela vida. Isso não é só um verso ou lamento, mas sabedoria que se derrama em poema. Nada a ver, portanto, com as frequentes e desagradáveis surpresas das relações comerciais ou de trabalho - território de competição e de lutas às vezes brutais pela sobrevivência. É preciso separar as coisas, embora seja lamentável que alguns tenham uma postura em casa e outra bem diversa na rua, no escritório ou nos salões da sociedade. Agora, se você está mesmo cercado de chatos, inconvenientes e indesejáveis, pode ser que o inferno sejam os outros: aí, concordo, está na hora de frequentar outro clube.