Vida e morte de D. Ângela

                    Dona Ângela tinha quarenta e cinco anos e três filhas. A mais velha era o grande orgulho da família. Antes mesmo que seu pai morresse pode vê-la formada em medicina. A do meio, não era muito dada aos estudos, porém tinha um bom emprego e era muito bem casada. A filha mais nova acidentara-se aos 15 anos e, agora com 21, ainda estava paraplégica. Não fez faculdade (nessa época as pessoas com essa deficiência ainda não tinham muitos recursos para continuar a vida- digo recursos financeiros, embora aqui não fosse o caso, emocionais, e o principal: o preconceito na sociedade era geral), mas era, de fato, o amor encarnado e o elo mais forte da família. Dona Ângela, mulher de fibra, desde que seu marido falecera, trabalhou muito para dar conta da família.
                    Um dia, D. Ângela adoeceu. A filha mais velha estava numa correria só, agora era doutora e estava trabalhando demais, aproveitando uma grande oportunidade para alavancar sua carreira; uma vez por semana visitava sua mãe. A filha do meio, que recentemente lhe deu dois netos, gêmeos, estava assoberbada dando conta do marido, do trabalho, e dos lindos gêmeos; essa vinha três vezes por semana e trazia os gêmeos, que não paravam de chorar; por isso ficava pouco tempo. A mais nova, aprendeu a fazer todo o serviço da casa e quando sua mãe já não pode mais levantar da cama, dava-lhe banho ali no leito e a vestia, como podia.
                    Quando D. Ângela faleceu, a filha mais velha chorou muito, quisera ter passado mais tempo com sua mãe. A filha do meio também chorou, pois quisera ter ajudado mais a sua mãe. A filha mais nova engoliu o choro, ergueu a cabeça e enxugou cada lágrima que caiu sem deixá-la chegar sequer à altura do nariz; e com uma força enorme conduziu o velório; não se curvou, nem se fez de coitadinha, (afinal, de que adiantaria?) agora estava sozinha...

Ps.: Nunca subestime alguém. O preconceito é uma espada de dois gumes.