PAIXÃO EM CAMPO

O futebol me acompanha desde criança. Meu pai era flamenguista e juiz pela Liga Desportiva de Cachoeiro. Mais que isso, ele foi um apaixonado por futebol. Acompanhava até os campeonatos internacionais. Aprendi cedo que para ter sua companhia teria que fazer o mesmo. E, assim, observando os comentários de papai sobre as jogadas, adquiri um conhecimento razoável que me ajuda a não fazer feio diante dos amigos.

Na roda de amigos o assunto era sempre futebol. A conversa parecia não cansar. Nos fins de semana, tome pelada. Com o tempo livre da aposentaria, não era de se estranhar que ele passasse boa parte do dia em frente à TV buscando canais que exibissem jogos. Monopólio total do controle remoto. Mas eu, minha mãe e irmãs não ligávamos. Era bom vê-lo ali sentado, quietinho, se distraindo com o que mais gostava.

A rivalidade só acontecia nos jogos entre Flamengo e Vasco. Eu e mamãe, a minoria vascaína, sofríamos com as provocações. Mas o clima era saudável, sem rixas e competições. Mesmo porque é assim que deve, ou deveria ser a relação entre torcedores de diferentes times. Os jogos sempre movimentaram minha casa, os amigos se amontoavam na sala, e na cozinha, principalmente. Vez ou outra papai berrava pedindo silêncio. Ele detestava perder alguma jogada. Para a gente era festa, para ele um ritual.

Este ano foi especial para o Vasco e o Flamengo. O primeiro voltou para a elite do futebol e o segundo sagrou-se campeão do Brasileiro, após 17 anos de jejum. Na última conquista, em 1992, papai comemorou feito menino. E eu, embora vascaína, mas apaixonada pelo meu pai, me juntei à nação rubro-negra por alguns momentos, só para vibrar ao lado dele. Já entendia que para o amor não existe rivalidade, ao contrário, deve prevalecer o respeito pelas escolhas do outro. Assim cresci, com um coração vascaíno e rubro-negro. Tudo por causa de papai.

As coisas não mudaram muito. Depois que papai faleceu, em 2001, passei um bom tempo sem assistir a jogos. Mas, atualmente estou em paz com as duas torcidas. Outro flamenguista, tão apaixonado pelo time quanto papai, me ensinou de novo que para o amor não existe barreiras. Ainda mais se tratando de futebol. Eu vascaína, ele flamenguista. Amor. Casamento. Isso prova o quanto é possível estar em lados opostos e ainda assim amar e ser amado. Coisas que o futebol faz dentro e fora de campo. Coisas da vida.

Cláudia Sabadini
Enviado por Cláudia Sabadini em 08/12/2009
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