A mulher invisível

Saiu de casa às 14h, se despediu da mãe dizendo que voltava cedo, entrou no ônibus e após 20 minutos de viagem chegou ao seu destino: o centro da cidade.

Natal é uma época legal para fazer compras, apesar da grande correria e agitação nas ruas, mas para quem tem um "espírito consumista", o que para uns é um martírio se torna parque de diversões. Ela era assim, alguém que tem prazer em comprar, sem esbanjar, mas também sem receio de se dar um luxo de vez em quando, presentear a mãe, os irmãos...

Dia normal até então. Resolveu entrar numa loja de eletro-eletrônicos. Sua intenção era verificar os preços de um notebook, seu atual sonho de consumo. Foi aí que a normalidade do dia começou a desaparacer. Parada em frente ao balcão, ela esperava que algum vendedor viesse atendê-la. Loja cheia sabe como é, é preciso paciência. Mas algo estava errado, alguns vendedores estavam de bobeira. Ela olha para os caras, como quem diz "Oie, eu queria ser atendida!", mas nenhuma reação é esboçada. Como ela tinha muitas coisas para ver ainda, não hesitou em sair da loja e entrar em outra, na qual conseguiu ser bem atendida por uma moça simpática.

Alguns minutos depois, agora em outra loja e em busca de uma chapinha de cabelos, parou em frente ao balcão, viu marcas e preços, estava decidida a levar um produto. Estranho. Novamente estava à espera de que um vendedor tivesse a boa vontade de atendê-la (porque realmente se trata de um favor quando um cliente quer comprar algo já que os vendedores não vivem das vendas que realizam). Algum tempo observando o movimento da loja, atendentes livres outros não e resolveu ir embora novamente.

Resolveu olhar bem para os braços e pernas, ter certeza de que existia em meio àquela multidão de pessoas que andavam para lá e para cá. Passou a tarde alternando entre invisibilidade e visibilidade, entrando e saindo de lojas sem entender o que estava acontecendo.

Já na volta para casa, ela pensava o que poderia ter acontecido para ter se tornado invisível por tantas vezes naquele dia. Será que estava camuflada e não percebeu? Existia alguma doença chamada "síndrome do camaleão" na qual as pessoas mudam de cor de acordo com o ambiente e tornam-se imperceptíveis?

Chegando em casa, distribuiu os presentes, fechou a porta do quarto e foi trocar de roupa. Por instantes ficou pensativa em frente ao espelho, quando finalmente encontrou a explicação para todos os estranhos incidentes do dia: ela era negra.

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As situações descritas nesse texto são reais e vividas por mim. Talvez tenha fantasiado (será mesmo?), mas o fato é que esse tipo de coisa vive acontecendo todos os dias. Será que pelo fato de eu ser negra significa que não tenho dinheiro para comprar algo que queira? Para as pessoas que pensam isso, sinto um imenso prazer em mostrar que posso sim comprar o que quiser, com dinheiro proveniente do meu trabalho, e morro de dar risada dos hipócritas preconceituosos que fingiram não me ver hoje, porque não fui eu quem deixou de lucrar com comissão nas vendas...

Mary Annie
Enviado por Mary Annie em 10/12/2009
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