MEMÓRIAS

Ao professor Wilson Rodrigues, Promotor de Justiça emérito de Paraguaçu Paulista e brilhante civilista brasileiro

Um argentino de roupas floridas conversava com o neto quando perguntou: - Como construíram uma estátua tão grande num lugar tão alto?

O avô e eu nos viramos. O Cristo sorria discretamente do Corcovado. Na sabedoria que só os avós transmitem aos netos em momentos de beleza, respondeu:

- Com um carretel. Com um carretel de linha de costura, para ser mais preciso.

Quis rir, mas me contive para não quebrar a mágica da explicação. Um Cristo daquele tamanho construído com um carretel?

- Um homem subiu até a ponta do morro. Quando chegou lá em cima, puxou uma linha de costura, desenrolada de um carretel. Com a linha puxou uma corda. Com uma corda puxou uma caixa de pregos, alguns pedaços de madeira, um martelo e uma pequena picareta. Com a picareta abriu um buraco na rocha, colocou um pedaço de madeira, pregou outros pedaços de madeira e amarrou algumas cordas por meio das quais outros homens subiram. Muitas cordas e muitos homens: cimento, ferros, areia, tijolos, tinta, mármore, diversos instrumentos de construção. Com uma simples linha, construíram algo tão grandioso.

Aquela passagem fincou-se em minha memória. Anos depois levei minhas duas filhas às praias de Santa Catarina. Caminhávamos pelo calçadão em Camboriú, quando uma delas me perguntou por que o mar era salgado.

Poderia explicar cientificamente que o impacto permanente do mar contra as rochas desprendia uma quantidade de fluidos que salgavam as águas. Entretanto, lembrando-me do avô argentino, pensei em transformar a pergunta numa ocasião especial.

- Vocês já leram aquela parte da bíblia que fala que Deus fez o mundo em sete dias?

Ambas balançaram afirmativamente a cabeça.

- Vocês lembram que em um dia Deus fez a terra? No outro, as águas? No outro, os animais?

Confirmaram novamente minhas explanações.

- Então, retomei mais confiante, Deus acordou depois de trabalhar na construção de mais um dia. Era de madrugada, tudo escuro, o sol ainda não nascera. Caminhou até a cozinha, ligou o fogo, colocou uma panela, jogou manteiga e um ovo – queria comer pão com ovo e café São Braz – e quando ia pegar um pouco de sal, o pacote de sal caiu das mãos dele e foi parar na água. Onde o sal caiu, Deus chamou mares e oceanos. Onde o sal não caiu, Deus chamou rios, lagos e lagoas.

Minhas filhas olharam-me desconfiadas. Falhara na tentativa de marcar uma história na memória delas. Enganei-me. No dia seguinte, enquanto o ônibus transitava para Itapema, elas conversavam com um rapaz que, inusitadamente, não sabia responder o porquê do sal do mar. Diante do titubeio, contaram em detalhes o que lhes falara na véspera.

*Publicado originalmente no Jornal de Assis (Assis – SP) de 10 de dezembro de 2009.