NA MANHÃ SEGUINTE

Embora com as evoluções tecnológicas e científicas, especificamente, com o avanço da medicina, hoje, até parece difícil alguém passar por horas de extremas e sensíveis recordações com a tal da ressaca, resultado de "saudáveis" bebedeiras. Seja tomando engov, seja tomando outros tipos de medicamentos, enfim, a ressaca deixou de ter o peso que outrora trazia em seu nome. E isso, sempre, ocorria na manhã seguinte. Era terrível! Entretanto, não é exatamente sobre essa manhã seguinte que tentarei escrever, mas a manhã seguinte de muitas de nossas decisões que também nos deixam de ressaca, e o pior: para esse tipo, ainda não inventaram nada com eficácia comprovada.

Certa feita, por volta dos meus 15, 16 anos, não me recordo bem a idade, tinha uma amizade hiper agradável com um sujeito chamado André. Por uma brincadeira, digamos normal, este amigo, nunca mais olhou sequer para mim, embora algumas vezes tenha tentado atar a nossa amizade. Também não me fez falta. Mas o que quero trazer à baila é que, por uma simples e idiota brincadeira se perde uma amizade. Já na manhã do dia seguinte, depois daquele episódio, lamentei a minha ignorância e falta de maturidade. Era tarde.

Outrora, numa discussão em um delicioso e encantador relacionamento, que até William Shakespeare ficaria com inveja, haja vista que em nenhum de seus escritos o amor foi tão torrencialmente e deliciosamente degustado. Entretanto, em uma das cenas que não precisaria ter ocorrido, dilacerou-se o espirito do cristal, é dizer: não seria mais a mesma coisa. Explico: Numa noite, antes de jantarmos, portanto, estávamos com fome, acabei por marcar e manchar aquele lindo romance; isso dadas as circunstâncias em que falei grotescamente e infalivelmente algo que invadiu por completo o ego da outra pessoa, a tal ponto que, de imediato, as lágrimas brotaram naqueles lindos olhos arregalados. Na manhã seguinte, fiquei a pensar sobre minha total falta de maturidade. No entanto, era tarde. Justifiquei-me na fome. Mas a fome por outros dantescos acontecimentos fizeram o relacionamento findar-se.

Inacreditavelmente, na manha deste sábado passado, ao fazer minha caminhada matinal, deparei com cenas que me fizeram buscar pontas de fios que foram partidos no passado e que, ora aqui, ora ali, tentam se atar ao presente. Mas ocorre que os fios não se encontram, ou melhor, o tempo é maquiavélico por demais, quando se está quase a se emendar, passa-se a oportunidade, o tempo é outro, as pessoas também são outras, enfim, tudo que sólido se desmancha no ar. E que bom! Novos fios vão tecendo a nossa rede. Isso que é o mais importante, ter uma rede para dormir. Ao invés de ficar tentando atar pontas de fios tão desencontrados, tão desajustados, mas ao mesmo tempo, que tanto nos causam inquietude... ante a frustração de não ter tecido algo melhor.

Muito bem. A vida com suas redes a serem tecidas e que, infalivelmente, nos mostram como foi o nosso trabalho, em especial, na manhã do dia seguinte.

Espero que numa dessas manhãs do dia seguinte, possa reaver fios que ainda perambulam por minha mente, tão deliciosamente e atrevidamente, talvez o carrasco e impiedoso tempo possa contribuir. Enquanto isso, há outras redes que me esperam tecer alguns fios, palavras, ou experiências de vida. Como é a nossa rede tão afável do Recanto das Letras, que de letra em letra vamos tentanto atar nossa rede maior, a amizade e amor à escrita.

Clovis RF
Enviado por Clovis RF em 13/12/2009
Código do texto: T1976396
Copyright © 2009. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.