DIA DO CEGO (13.12.2009)

Prof. Antônio de Oliveira*

Com sua varinha mágica o cego Tirésias, da mitologia grega, interpretava melhor os fatos do que os que acham que enxergam bem e se fecham à luz.

É que a cegueira de deficiência óptica pode ser compensada por uma visão interior. Para Mia Couto, “a cegueira é o destino de quem se deixa tomar de assalto pela paixão”. E “o apaixonado”, vai fundo Mia Couto, “fita o abismo de si mesmo”. Assim, grandes artistas cegos de visão exterior produziram e legaram peças memoráveis para quem sabe apalpar com os olhos.

Cegos não enxergam, não enxergam a roupa. Apalpam-na. Mas, segundo Oswald de Andrade, o que justamente embaça a lente da verdade é a roupa, “o impermeável entre o mundo interior e o mundo exterior”. A moral vai além da nudez ou da moda medíocre, banal, dispendiosa. Moral “contra todos os importadores de consciência enlatada”, conclui Oswald de Andrade.

Há os cegos pouco humildes, também. No conto A terra dos cegos, H.G. Wells narra o esforço de um homem para persuadir uma população cega de que ele possuía um sentido do qual a comunidade era destituída. A população conluia armar-lhe uma cilada aos olhos para afastar aquela disfunção ilusionista.

No Ensaio sobre a cegueira, José Saramago tateia a visão criativa de cegos vítimas de uma epidemia. N’A Caverna, Saramago lembra: “diz-se que a paisagem é um estado de alma, que a paisagem de fora a vemos com os olhos de dentro”. N’A carta roubada, de Edgar Allan Poe, há quem pense que enxerga muito bem, mas não enxerga o que está na cara, o óbvio à sua frente. Noutra história, e desafiando o Conde Leofric a cobrar menos impostos de seus súditos, Lady Godiva, a do chocolate, desfila em praça pública, a cavalo e nua. O indiscreto voyeur Peeping Tom desafia a interdição imposta para que então ninguém a visse nua e é punido de cegueira.

A mulher de Lot, cujo nome hebraico significa o que esconde, ou cobre com um véu, foi transformada em estátua de sal por ter, ao deixar Sodoma, olhado para trás. N’A roupa nova do imperador, de Hans Christian Andersen, e em várias versões, quem vê que o rei está pelado ora é um estrangeiro ora um forasteiro, ora uma criança, isto é, alguém fora do padrão.

Affonso Romano de Sant’Anna analisa A cegueira e o saber. Paul Gauguin, paradoxal: “Eu fecho meus olhos para poder ver”. A conversão de Saulo se dá após um cometimento de cegueira temporária. Hélio Pellegrino admitiu: “Feliz daquele que, ao meio-dia, se percebe em plena treva, pobre e nu”. É preciso tato para resolver determinados problemas. O cego apalpa. Apalpando-se, a pessoa toma consciência de si. Dramaticamente, antes de sua morte, Mahatma Gandhi nos alertou: “Olho por olho e o mundo acabará cego”.

No Dia do Cego, realize, você também, uma visita ao mundo dos cegos e, no silêncio, desfrute de visão interior e reveja conceitos...

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*Coordenador e Supervisor da Consultoria Acadêmico-Educacional (CAED). Técnico em assuntos educacionais há 30 anos, com experiências no serviço público e na atividade privada. Mestre pela Universidade Gregoriana de Roma. Realizou estágio pedagógico em Sèvres, França. É graduado em Estudos Sociais, Filosofia, Letras, Pedagogia e Teologia. Pesquisador e consultor, presta assessoria, dentre outras instituições, à ABMES, Associação Brasileira de Mantenedoras do Ensino Superior, sendo responsável pela montagem do Anuário de Legislação Atualizada do Ensino Superior. Ministra também cursos de legislação do ensino superior.

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fernanda araujo
Enviado por fernanda araujo em 14/12/2009
Reeditado em 15/12/2009
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