Minha janela, Deus e o rato

Quando estou sentada na minha cama, recostada na cabeceira, fico de frente para a janela. Um visual que, quando escancarado aos meus olhos, me presenteia com tudo o que hoje julgo merecer, antes de pegar no sono, ou quando leio à tarde, ou quando acordo e vislumbro um céu azul, ou mesmo nublado.

Nos últimos meses, quando estive mais na cama que em qualquer outro lugar da casa, uma das minhas melhores compensações era a janela, sua serenidade, a paz que entra por ela. Às vezes brisa, às vezes vento, às vezes rajadas de vento. E ver o céu, as estrelas, minhas plantas era tão sublime que passei a dizer “Deus mora na minha janela”. Curtir aquele visual, aquele silêncio do pouco de natureza que cabe num retângulo de alguns centímetros, já se resume em prece. Um verdadeiro louvor à Criação. E eu ‘via’ Deus ali, bem pertinho, me dando bom dia; boa noite; olá, estou aqui; tudo isso passa, voce vai ver.

Porém, toda essa sublimidade foi atingida pela descoberta de que um rato havia se hospedado no meu telhado. Acordei numa madrugada com o ruído das patinhas dele a subir e descer pelo vidro de um dos lados da janela. E vi que ele tentava ganhar o chão, mas os cachoros o assustavam e ele tornava a escalar a janela rumo ao telhado. (Já sei. Você deve estar pensando “mas rato não sobe parede”. Sobe sim. Parede, muro, vidro. Escala até o ferro fininho da grade).

A sensação de desânimo foi imediata, pois sei por experiências anteriores o quanto é difícil e desgastante despejar ratos quando eles resolvem que querem morar com a gente. Já matei camundongo a vassourada no meio do corredor; já coloquei cachorro pra dentro pra ajudar na caçada; o quarto do meu filho foi virado de pernas pro ar em plena madrugada, na mesma em que me expulsei de casa, tantos eram os ruídos noturnos provocados por esses bichinhos tão bonitinhos. Agora, com o chamado rato de telhado, me considerei impotente pra resolver o problema sozinha.

“Não abra a janela à noite por uns dias, até que a senhora tenha certeza que ele - ou eles - está morto. Senão, pode entrar em casa”, disse-me o técnico do serviço de desratização. A recomendação foi obedecida à risca, juntamente com outras medidas de prevenção, como evitar deixar ração dos cachorros exposta durante à noite. “Ratos adoram ração. Sentem o cheiro longe. A senhora sabia que uma ratazana é capaz de atravessar um rio a nado, para ir atrás de um cheiro do outro lado?”. Não, não sabia. “Outra coisa que a senhora não deve saber. Ração deve ser armazenada em recipientes de metal, como latas de óleo, manteiga. Os de plástico, eles roem com facilidade”. É, também não sabia, obrigada por me informar. Vou tomar todas as providências.

Hoje conto mais de 15 dias de janela fechada a partir do início da noite. Após o banquete de envenenamento deixado no forro da casa, nunca mais observei nenhum movimento na minha janela. O danadinho, antes da visita da desratização, passeava pelo vidro, ia de um lado a outro, andava pela grade e chegava até a se sentar para admirar a minha paisagem. E eu, da cama, só posso ver as sombras das plantas e da grade e imaginar como está o céu. Se chove, fico sabendo pelo barulho da água nas folhas do antúrio.

Quanto ao hóspede indesejado (não deu tempo de chamá-lo morador), creio que tenha morrido logo após a primeira refeição. Também pudera. Não sei se aquele prato era agradável ao olfato de um roedor, mas era lindo, todo colorido. O pobre deve ter saboreado com prazer antes de entregar sua pequena alma a Deus. E Este, enfim, poderá voltar ao seu devido lugar. Só me falta coragem para abrir novamente a janela, mesmo sob a proteção d’Ele. Ah... e eu não estou mais precisando da cama, a não ser pra dormir e outros prazeres.

Giovana Damaceno
Enviado por Giovana Damaceno em 15/12/2009
Código do texto: T1978586
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