DAQUELES BELOS TEMPOS

A enorme arvore de natal que ocupava boa parte da sala era montada logo nos primeiros dias de Novembro e toda a turma se reunia lá na janela de casa para ver aonde a gente iria colocar as estrelas e todo aquele arsenal de enfeites que minha mãe escondia dentro de uma caixa de papelão com imenso cuidado. As bolas reluzentes e frágeis pareciam transpor para aquela ocasião a delicadeza de uma noite especial em que no dia seguinte toda a garotada saia à rua para exibir seus brinquedos. Tá certo que nem sempre eu tinha algum brinquedo novo para exibir que já não tivesse mostrado antes, mas eu não me importava não, até mesmo porque os natais daquela época tinham um sabor diferente e um mistério que só mesmo tendo aquela infância para entender. A casa vivia cheia de gente, numa agitação que dava gosto de ver. Os programas de TV, o grito da criançada que se escutava lá da cerca pintada de branco, o cheiro do peru assando no forno, a espera da ‘parentada’ que chegava de longe pra se juntar a nós sempre nesse dia. Tudo era tão gostoso.

Não dava para negar que aquilo tudo mexia com a alma da gente. Até os adultos carregavam no semblante uma descontração diferente. Meu pai sempre erguendo uma taça de Carbenet Savignon para o alto com a mesma satisfação que eu tinha em erguer a minha bola e chamar a turma para uma pelada no final da tarde. Não dá pra negar o gosto refinado que aprendi a ter só de ver meu velho sabendo apreciar uma iguaria que para mim àquela altura só perdia para os refrigerantes.

Quando chegava a hora da ceia então, era a maior festa. Meu avô sempre tinha um ‘causo’ para contar, embora ele sempre se perdesse entre um causo e outro que já não tivesse contado antes, mas, no entanto dava gosto de ouvir de novo e de rir com as caretas que ele fazia. O barulho dos pratos passando de mão em mão, aquele cheirinho doce de panetone no ar, enquanto outra garrafa de Carbenet era aberta com veemência e aplaudida por todos aqueles sedentos e distintos senhores que se deliciavam com aquele refinado prazer e eu só fingindo que não entendia nada.

A esperança de que a noite passasse depressa era grande, principalmente para nós que nessa época acreditava num velhinho que voava por ai montado num trenó para entregar sorrateiramente presentes a todas as crianças que haviam se comportado direitinho. Nessas horas a gente não ligava para o que devia ou não devia acreditar, justamente para não ficar sem o presente. Vai que essa historia de bom velhinho fosse verdade e a gente só fosse descobrir depois que o presente de todo mundo já tivesse sido entregue. Era melhor não duvidar.

Tantos natais vieram depois desses que me fazem recordar com tanta nostalgia. Não é fácil olhar em volta e ver que alguma coisa daquela festança toda tenha mudado, que as pessoas tenham sido substituídas por outras mais novas e que a velha magia tenha se perdido na modernidade do mundo. Ver a família toda reunida ao redor da mesa, contemplando sorrisos alegres e cheio de vida dá uma vontade imensa de sair porta a fora tentando resgatar do passado aquela alegria que se perdeu em algum lugar por ai. Lembrando daqueles sorrisos cheios de um contentamento incomum, mantendo as lembranças guardadas num potinho que é só saudade e comemorar o novo ano que viria a seguir. A mesa recheada de coisas gostosas, de mãos passeando por entre os docinhos, da mãe afagando o filhinho no colo ensinado para aquele pequeno ser a parte do mundo que ele viria a conhecer daqueles braços meigos e tão seguros.

O mundo pode ter mudado para alguém ou até mesmo para mim de alguma maneira, entretanto não dá para esconder que até mesmo os refrigerantes mudam com o tempo, porém o mestre Savignon que durante anos cintilou de tinto a minha vida, certamente guardou para si um pouco daquela família, em cada taça erguida por meu pai.

Daqueles belos tempos só me restam hoje às lembranças de menino, amadurecido pelo tempo, feito as rolhas manchadas de vinho do velho amigo Carbenet.

Um feliz Carbenet Savignon para você!

Joel Thrinidad
Enviado por Joel Thrinidad em 30/12/2009
Reeditado em 18/09/2013
Código do texto: T2003067
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