A vaca
Era um animal grande, a vaca. Meio lerda, é verdade, quase sempre
apática, como se não tivesse consciência da própria vida ou do seu
lugar no mundo.
Passava seus dias a comer, beber, fazer suas nescessidades e andar de
um canto ao outro do curral.
Não precisava de muito pra viver. Se tinha grama verde, água pura,
espaço e o sol, estava satisfeita.
Se lhe faltasse isso tambem não reclamava. É bem verdade q nunca vi
uma vaca em greve. Vacas não reivindicam seus direitos. E se o
fizessem de que adiantaria?
Talvez isso ao menos fosse um consolo em meio a mediocridade em que vivia.
Mas vacas não se importam em ser medíocres.
Eu a olhava de longe.
Ela era um animal grande e pesado, se lhe fosse dada a selvageria das
feras talvez fosse ela, a vaca, a rainha das selvas. Com seu peso
esmagaria homens, animais e rochas, derruabaria árvores, desviaria o
curso de rios, encheria de medo e admiração os outros animais...!
Mas como ela não sabia do mundo nem das feras, nem de árvores, rios ou
animais além da porteira (ou simplismente não se importava com ele) a
vaca não se movia.
Vinha um homem e a ordenhava, e ela não reagia. Se fugia lhe amarravam
as patas, e sem saber que sua força estava na cabeça onde ainda
mantinha seus chifres, ela não protestava.
A chuva caía sobre o seu pêlo, o sol brilhava sobre a sua pele, o
vento soprava envolvendo o seu corpo, a noite caía, o frio... e a vaca
continuava. Era como um imenso monolito, talvez se diferenciando
apenas pela sua capacidade quase q automática de balançar o rabo para
espantar as moscas e de ir, de vez em quando, ir de um lugar para o
outro do curral.
E foi ficando velha. Mas acho que ela nem se dava conta disso. Sua condição
de vaca a impedia, talvez pelo tamanho ínfimo de se cérebro, de perceber que a
vida passava.
Sabia apenas que comia a grama e a grama, por mais que comesse
crescia, que dormia hoje, mas por mais que dormisse teria sono de novo
amanhã, que defecava, acordava, mugia, andava, produzia leite e que ao
início de cada novo dia teria que repetir tudo outra vez, como um
ritual, que de algum modo faria sentido se ela mesma fizesse sentido.
Mas a vaca nem sabia o que era um ritual. Nunca lhe ocorreu buscar
sentido em nada, pois as coisas eram o que eram e não cabia a ela, a
vaca, questionar nada. Tudo o que fazia não era pensado.Era
instintivo.
O tempo passou e um dia o fazendeiro bateu à minha porta. O sol mal
tinha nascido e eu estava com muito sono. Os passarinhos cantavam e um
cheiro de terra molhada faziam aquela ser uma manhã agradável apesar
do inconveniente de ter de acordar com o sol.
Perguntei ao fazendeiro o q estavamos fazendo alí aquela hora. Ele me disse com
um sorriso ´´vamos matar a vaca!``.
Naquela manhã fria de junho a vaca morreu. Sempre vou me lembrar do modo como
ela foi conduzida ao abatedouro tão pacífica e serena como todos os outros
dias de sua vida. Ela que deu leite, não protestou quando requisitaram
a sua carne, seu sangue... a sua vida.
Eu ainda me surpreendo como alguns de nós ainda são como as vacas.