Vestimo-nos para mentir (homem)

Tomo um demorado banho para tirar da pele os resíduos da submissão que meu trabalho me aflige, o sabão perfuma o fedor da hipocrisia de meu falso sorriso de satisfação diante de meu chefe totalitário. Seco-me da ânsia de me sentir dono da situação, e faço minha cara de homem da casa para me preparar para conquistar territórios férteis. Faço a barba para disfarçar os resquícios de brutalidade primitiva, deixo um pouco de barba e cavanhaque para ter um ar cafajeste de Don Juan, passo levemente o gel para conter meus cabelos, como contenho minhas idéias e sonhos amortecidos por uma vida estagnada.

Procuro uma camisa que dê a impressão de ser forte, mesmo me sentindo fraco e muitas vezes desamparado, uma calça que deixe minhas pernas e membro atraentes na promessa de dar prazer a quem se permitir. Calço meus sapatos limpos, que ao contrário da sensação pesada da lama a que me afundo a cada dia, me deixam os passos seguros e arrumados. Vou para algum bar, observar algumas mulheres sozinhas, vou encontrar alguém que eu possa ter por alguns instantes. Amar com meu corpo, mas sem alma, por covardia, medo de me submeter a alguma tola paixão. Vou prometer os céus e a terra, e me deleitar em seus braços, vou me lembrar naquele instante das coisas que já sonhei, de tudo o que amei, e vou gozar com este conteúdo externo aquela relação superficial, e farei cara de satisfeito, e dormirei sozinho em minha cama, tendo no peito duas forças contrarias, uma dizendo que eu poderia ser feliz com alguém e outra dizendo que se envolver é uma grande roubada pois as mulheres não valem nada. E repetirei isto várias vezes, matando a angustia com bebida, ou fingindo que o foco de minha vida é algum esporte, arte ou até meu trabalho. Vou passar muito tempo fugindo de mim mesmo e sempre escondido atrás de uma roupa bela, discreta e cara, onde eu possa esconder, de todos e de mim mesmo, o quanto queria ser compreendido e amado na simplicidade de minha camiseta e chinelos, na bobagem de ver desenhos e nas teorias absurdas sobre temas que só surgem em momentos inusitados. E quando eu dormir, depois de horas pensando, concluir segundos antes de cair nos braços de Morfeu, que a futilidade da lógica atual mata a prestações, mas de manhã aquilo parecerão devaneios momentâneos de uma mente cansada e tudo se repetira e repetirá....

T Sophie
Enviado por T Sophie em 04/01/2010
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