(PARA OS FÃS DO SERIADO "THE WIRE" QUE NÃO VIRAM A 5ª TEMPORADA: POR FAVOR NÃO LEIAM ESTA CRÓNICA.)




 
The Wire é uma série de TV que aborda temas sociais de forma complexa e profunda.
Desde o mundo da criminalidade associada às drogas, a corrupção na política, a falência do sistema de educação ao declínio da imprensa escrita, podemos encontrar tudo isto e muito mais ao longo dos sessenta episódios das cinco temporadas.
Podíamos dizer que se trata de um retrato de uma cidade específica dos EUA chamada Baltimore. Mas de facto é mais do que isso. Tudo o que vemos, tirando o típico jargão local, é universalmente humano.
A prova disso é que na última temporada quando McNulty faz despoletar a trama recordei-me de Kant, o filósofo do sec. XVIII, e da sua famosa lei moral.
Isto porque no meio do seu elaborado sistema metafísico Kant dedicou algum tempo a discutir sobre o valor da “Mentira por propósitos altruístas”.
No fundo é o que McNulty faz no início da quinta parte da história. Mente e com essa mentira consegue desencadear um desbloqueio de meios que permite à polícia executar o seu trabalho concluindo, entre muitas outras coisas, uma investigação longa que leva ao desmantelamento de uma perigosa rede de narcotráfico.
Parece que fez bem. Os bons puderam fazer o seu trabalho honesto. Os maus vão parar à prisão. Podemos justificar a mentira inicial. Podemos, Sr. Kant?
Não, não podemos. Não é assim que o mundo funciona, infelizmente, diz o senhor Kant.
Se o filósofo Immanuel Kant tivesse tido a sorte de ter visionado a excelente série “The Wire” no seu tempo teria ficado radiante. Poderia ter dado este exemplo para apoiar a sua teoria sobre a “Mentira por motivos altruístas”. Com McNulty, Kant não teria sido gozado pelos críticos como o foi por ter utilizado um estranho exemplo.
“Imagine que esconde um amigo inocente na sua cave. Vem um assassino à sua procura para o matar. Pergunta por ele. Deve mentir para o salvar?” A situação inventada por Kant era esta e a resposta dele é “Não”. E argumenta que mentindo o assassino iria embora continuando a sua busca e entretanto o amigo sentindo-se em perigo teria fugido pelas traseiras e inevitavelmente eles iriam dar de caras um com o outro. Parece estúpido e várias pessoas sérias conjecturaram que o senhor nesta altura do campeonato estaria já com Alzheimer.
Mas depois de bem meditarem outras pessoas concluíram de modo diferente. Ou seja, o que Kant descobriu (sem ver televisão nem ter saído de uma pequena cidade da Prússia toda a vida)
Foi que o nosso poder sobre as consequências das nossas acções é muito pequeno. Não controlamos nada do que acontece. Por isso mais vale cumprir as regras. A lei moral.
McNulty não ligou muito aos estudos e até escarnecia de quem tinha curso superior. Por isso não leu Kant. Para além disso estava numa fase de imaturidade que lhe deu a ilusão de ser Deus.
Mas ao longo desta história vai aprender esta lição de Kant.
Ora vejamos.
A brigada dos crimes graves está prestes a descobrir, através de escutas montadas e descodificação de códigos, uma rede de traficantes que passaram um ano inteiro a matar e a esconder corpos em casas abandonadas. De uma assentada vinte e dois corpos são descobertos e têm de ser investigados. Quando ao fim de um ano os profissionais que estão quase prontos a prende-los recebem ordens para parar a investigação por conveniências políticas do presidente da câmara. Este político havia passado a temporada anterior a fazer promessas para ser eleito de modo a resolver os problemas da sua amada cidade e assim que chega ao poder resolve que quer ser governador daí a dois anos. Os problemas da cidade terão de esperar. Para atingir os seus objectivos o orçamento da polícia é desviado para a educação (área que lhe trará mais votos). Sem recursos a polícia paralisa.
McNulty inventa um serial killer que mata uns sem-abrigo. Monta uma farsa. Um jornalista sem escrúpulos e ambicioso aumenta a farsa e depois existe um efeito bola de neve e o escândalo chega a todos os media. O que é certo é que o dinheiro aparece e com esforço e muitas mentiras o trabalho da polícia é retomado e os maus são todos apanhados.
Parece que ao intervalo está 1 para McNulty e 0 para Kant...
Mas... eis que quase no final do jogo o resultado sobre uma reviravolta. As malhas do acaso vão sendo tecidas e por uma coincidência ali e acolá o rei dos maus acaba sendo solto. Os chefes da polícia, o presidente da câmara, a procuradora do ministério público descobrem tudo. McNulty e Lester (seu cúmplice) perdem o emprego.
O grande caso de desmantelamento de droga não pode ir a tribunal pois a escuta era ilegal.
Por outras palavras: o amigo inocente fugiu pelas traseiras e deu de caras com o assassino! Vitória para Kant.
O dilema inicial subjacente da história era: será que os fins justificam os meios?
O objectivo era tão justo que confesso que fiquei desde o início do lado de McNulty.
O problema não é a justiça do fim. O problema é que os meios quando ilegais (a mentira) não só não garantem o fim em si como o podem prejudicar.
Neste caso McNulty aprendeu uma lição de Kant: não somos Deus, nunca seremos Deus. E amadurecer é tomarmos consciência das nossas limitações.
No final, nem todos os maus tiveram o castigo que mereciam. Nem todos os bons acabaram bem. Mas a vida é assim mesmo. A virtude não garante a felicidade. No entanto deve fazer-se o correcto independentemente das consequências, sem esperar recompensas. (De outra forma, se soubéssemos que seríamos recompensados sempre que fossemos virtuosos não seríamos simplesmente interesseiros?) E enquanto isso procurar a felicidade. Pois uma coisa não está directamente relacionada com a outra.
Será este o melhor dos mundos possíveis? Pode não ser, mas é o único que temos.
E de vez em quando temos o privilégio de assistir a séries de televisão que são maravilhosas...
Kant Com McNulty
 
The Wire é uma série de TV que aborda temas sociais de forma complexa e profunda.
Desde o mundo da criminalidade associada às drogas, a corrupção na política, a falência do sistema de educação ao declínio da imprensa escrita, podemos encontrar tudo isto e muito mais ao longo dos sessenta episódios das cinco temporadas.
Podíamos dizer que se trata de um retrato de uma cidade específica dos EUA chamada Baltimore. Mas de facto é mais do que isso. Tudo o que vemos, tirando o típico jargão local, é universalmente humano.
A prova disso é que na última temporada quando McNulty faz despoletar a trama recordei-me de Kant, o filósofo do sec. XVIII, e da sua famosa lei moral.
Isto porque no meio do seu elaborado sistema metafísico Kant dedicou algum tempo a discutir sobre o valor da “Mentira por propósitos altruístas”.
No fundo é o que McNulty faz no início da quinta parte da história. Mente e com essa mentira consegue desencadear um desbloqueio de meios que permite à polícia executar o seu trabalho concluindo, entre muitas outras coisas, uma investigação longa que leva ao desmantelamento de uma perigosa rede de narcotráfico.
Parece que fez bem. Os bons puderam fazer o seu trabalho honesto. Os maus vão parar à prisão. Podemos justificar a mentira inicial. Podemos, Sr. Kant?
Não, não podemos. Não é assim que o mundo funciona, infelizmente, diz o senhor Kant.
Se o filósofo Immanuel Kant tivesse tido a sorte de ter visionado a excelente série “The Wire” no seu tempo teria ficado radiante. Poderia ter dado este exemplo para apoiar a sua teoria sobre a “Mentira por motivos altruístas”. Com McNulty, Kant não teria sido gozado pelos críticos como o foi por ter utilizado um estranho exemplo.
“Imagine que esconde um amigo inocente na sua cave. Vem um assassino à sua procura para o matar. Pergunta por ele. Deve mentir para o salvar?” A situação inventada por Kant era esta e a resposta dele é “Não”. E argumenta que mentindo o assassino iria embora continuando a sua busca e entretanto o amigo sentindo-se em perigo teria fugido pelas traseiras e inevitavelmente eles iriam dar de caras um com o outro. Parece estúpido e várias pessoas sérias conjecturaram que o senhor nesta altura do campeonato estaria já com Alzheimer.
Mas depois de bem meditarem outras pessoas concluíram de modo diferente. Ou seja, o que Kant descobriu (sem ver televisão nem ter saído de uma pequena cidade da Prússia toda a vida)
Foi que o nosso poder sobre as consequências das nossas acções é muito pequeno. Não controlamos nada do que acontece. Por isso mais vale cumprir as regras. A lei moral.
McNulty não ligou muito aos estudos e até escarnecia de quem tinha curso superior. Por isso não leu Kant. Para além disso estava numa fase de imaturidade que lhe deu a ilusão de ser Deus.
Mas ao longo desta história vai aprender esta lição de Kant.
Ora vejamos.
A brigada dos crimes graves está prestes a descobrir, através de escutas montadas e descodificação de códigos, uma rede de traficantes que passaram um ano inteiro a matar e a esconder corpos em casas abandonadas. De uma assentada vinte e dois corpos são descobertos e têm de ser investigados. Quando ao fim de um ano os profissionais que estão quase prontos a prende-los recebem ordens para parar a investigação por conveniências políticas do presidente da câmara. Este político havia passado a temporada anterior a fazer promessas para ser eleito de modo a resolver os problemas da sua amada cidade e assim que chega ao poder resolve que quer ser governador daí a dois anos. Os problemas da cidade terão de esperar. Para atingir os seus objectivos o orçamento da polícia é desviado para a educação (área que lhe trará mais votos). Sem recursos a polícia paralisa.
McNulty inventa um serial killer que mata uns sem-abrigo. Monta uma farsa. Um jornalista sem escrúpulos e ambicioso aumenta a farsa e depois existe um efeito bola de neve e o escândalo chega a todos os media. O que é certo é que o dinheiro aparece e com esforço e muitas mentiras o trabalho da polícia é retomado e os maus são todos apanhados.
Parece que ao intervalo está 1 para McNulty e 0 para Kant...
Mas... eis que quase no final do jogo o resultado sobre uma reviravolta. As malhas do acaso vão sendo tecidas e por uma coincidência ali e acolá o rei dos maus acaba sendo solto. Os chefes da polícia, o presidente da câmara, a procuradora do ministério público descobrem tudo. McNulty e Lester (seu cúmplice) perdem o emprego.
O grande caso de desmantelamento de droga não pode ir a tribunal pois a escuta era ilegal.
Por outras palavras: o amigo inocente fugiu pelas traseiras e deu de caras com o assassino! Vitória para Kant.
O dilema inicial subjacente da história era: será que os fins justificam os meios?
O objectivo era tão justo que confesso que fiquei desde o início do lado de McNulty.
O problema não é a justiça do fim. O problema é que os meios quando ilegais (a mentira) não só não garantem o fim em si como o podem prejudicar.
Neste caso McNulty aprendeu uma lição de Kant: não somos Deus, nunca seremos Deus. E amadurecer é tomarmos consciência das nossas limitações.
No final, nem todos os maus tiveram o castigo que mereciam. Nem todos os bons acabaram bem. Mas a vida é assim mesmo. A virtude não garante a felicidade. No entanto deve fazer-se o correcto independentemente das consequências, sem esperar recompensas. (De outra forma, se soubéssemos que seríamos recompensados sempre que fossemos virtuosos não seríamos simplesmente interesseiros?) E enquanto isso procurar a felicidade. Pois uma coisa não está directamente relacionada com a outra.
Será este o melhor dos mundos possíveis? Pode não ser, mas é o único que temos.
E de vez em quando temos o privilégio de assistir a séries de televisão que são maravilhosas...
Kant Com McNulty
 
The Wire é uma série de TV que aborda temas sociais de forma complexa e profunda.
Desde o mundo da criminalidade associada às drogas, a corrupção na política, a falência do sistema de educação ao declínio da imprensa escrita, podemos encontrar tudo isto e muito mais ao longo dos sessenta episódios das cinco temporadas.
Podíamos dizer que se trata de um retrato de uma cidade específica dos EUA chamada Baltimore. Mas de facto é mais do que isso. Tudo o que vemos, tirando o típico jargão local, é universalmente humano.
A prova disso é que na última temporada quando McNulty faz despoletar a trama recordei-me de Kant, o filósofo do sec. XVIII, e da sua famosa lei moral.
Isto porque no meio do seu elaborado sistema metafísico Kant dedicou algum tempo a discutir sobre o valor da “Mentira por propósitos altruístas”.
No fundo é o que McNulty faz no início da quinta parte da história. Mente e com essa mentira consegue desencadear um desbloqueio de meios que permite à polícia executar o seu trabalho concluindo, entre muitas outras coisas, uma investigação longa que leva ao desmantelamento de uma perigosa rede de narcotráfico.
Parece que fez bem. Os bons puderam fazer o seu trabalho honesto. Os maus vão parar à prisão. Podemos justificar a mentira inicial. Podemos, Sr. Kant?
Não, não podemos. Não é assim que o mundo funciona, infelizmente, diz o senhor Kant.
Se o filósofo Immanuel Kant tivesse tido a sorte de ter visionado a excelente série “The Wire” no seu tempo teria ficado radiante. Poderia ter dado este exemplo para apoiar a sua teoria sobre a “Mentira por motivos altruístas”. Com McNulty, Kant não teria sido gozado pelos críticos como o foi por ter utilizado um estranho exemplo.
“Imagine que esconde um amigo inocente na sua cave. Vem um assassino à sua procura para o matar. Pergunta por ele. Deve mentir para o salvar?” A situação inventada por Kant era esta e a resposta dele é “Não”. E argumenta que mentindo o assassino iria embora continuando a sua busca e entretanto o amigo sentindo-se em perigo teria fugido pelas traseiras e inevitavelmente eles iriam dar de caras um com o outro. Parece estúpido e várias pessoas sérias conjecturaram que o senhor nesta altura do campeonato estaria já com Alzheimer.
Mas depois de bem meditarem outras pessoas concluíram de modo diferente. Ou seja, o que Kant descobriu (sem ver televisão nem ter saído de uma pequena cidade da Prússia toda a vida)
Foi que o nosso poder sobre as consequências das nossas acções é muito pequeno. Não controlamos nada do que acontece. Por isso mais vale cumprir as regras. A lei moral.
McNulty não ligou muito aos estudos e até escarnecia de quem tinha curso superior. Por isso não leu Kant. Para além disso estava numa fase de imaturidade que lhe deu a ilusão de ser Deus.
Mas ao longo desta história vai aprender esta lição de Kant.
Ora vejamos.
A brigada dos crimes graves está prestes a descobrir, através de escutas montadas e descodificação de códigos, uma rede de traficantes que passaram um ano inteiro a matar e a esconder corpos em casas abandonadas. De uma assentada vinte e dois corpos são descobertos e têm de ser investigados. Quando ao fim de um ano os profissionais que estão quase prontos a prende-los recebem ordens para parar a investigação por conveniências políticas do presidente da câmara. Este político havia passado a temporada anterior a fazer promessas para ser eleito de modo a resolver os problemas da sua amada cidade e assim que chega ao poder resolve que quer ser governador daí a dois anos. Os problemas da cidade terão de esperar. Para atingir os seus objectivos o orçamento da polícia é desviado para a educação (área que lhe trará mais votos). Sem recursos a polícia paralisa.
McNulty inventa um serial killer que mata uns sem-abrigo. Monta uma farsa. Um jornalista sem escrúpulos e ambicioso aumenta a farsa e depois existe um efeito bola de neve e o escândalo chega a todos os media. O que é certo é que o dinheiro aparece e com esforço e muitas mentiras o trabalho da polícia é retomado e os maus são todos apanhados.
Parece que ao intervalo está 1 para McNulty e 0 para Kant...
Mas... eis que quase no final do jogo o resultado sobre uma reviravolta. As malhas do acaso vão sendo tecidas e por uma coincidência ali e acolá o rei dos maus acaba sendo solto. Os chefes da polícia, o presidente da câmara, a procuradora do ministério público descobrem tudo. McNulty e Lester (seu cúmplice) perdem o emprego.
O grande caso de desmantelamento de droga não pode ir a tribunal pois a escuta era ilegal.
Por outras palavras: o amigo inocente fugiu pelas traseiras e deu de caras com o assassino! Vitória para Kant.
O dilema inicial subjacente da história era: será que os fins justificam os meios?
O objectivo era tão justo que confesso que fiquei desde o início do lado de McNulty.
O problema não é a justiça do fim. O problema é que os meios quando ilegais (a mentira) não só não garantem o fim em si como o podem prejudicar.
Neste caso McNulty aprendeu uma lição de Kant: não somos Deus, nunca seremos Deus. E amadurecer é tomarmos consciência das nossas limitações.
No final, nem todos os maus tiveram o castigo que mereciam. Nem todos os bons acabaram bem. Mas a vida é assim mesmo. A virtude não garante a felicidade. No entanto deve fazer-se o correcto independentemente das consequências, sem esperar recompensas. (De outra forma, se soubéssemos que seríamos recompensados sempre que fossemos virtuosos não seríamos simplesmente interesseiros?) E enquanto isso procurar a felicidade. Pois uma coisa não está directamente relacionada com a outra.
Será este o melhor dos mundos possíveis? Pode não ser, mas é o único que temos.
E de vez em quando temos o privilégio de assistir a séries de televisão que são maravilhosas...
Kant Com McNulty
 
The Wire é uma série de TV que aborda temas sociais de forma complexa e profunda.
Desde o mundo da criminalidade associada às drogas, a corrupção na política, a falência do sistema de educação ao declínio da imprensa escrita, podemos encontrar tudo isto e muito mais ao longo dos sessenta episódios das cinco temporadas.
Podíamos dizer que se trata de um retrato de uma cidade específica dos EUA chamada Baltimore. Mas de facto é mais do que isso. Tudo o que vemos, tirando o típico jargão local, é universalmente humano.
A prova disso é que na última temporada quando McNulty faz despoletar a trama recordei-me de Kant, o filósofo do sec. XVIII, e da sua famosa lei moral.
Isto porque no meio do seu elaborado sistema metafísico Kant dedicou algum tempo a discutir sobre o valor da “Mentira por propósitos altruístas”.
No fundo é o que McNulty faz no início da quinta parte da história. Mente e com essa mentira consegue desencadear um desbloqueio de meios que permite à polícia executar o seu trabalho concluindo, entre muitas outras coisas, uma investigação longa que leva ao desmantelamento de uma perigosa rede de narcotráfico.
Parece que fez bem. Os bons puderam fazer o seu trabalho honesto. Os maus vão parar à prisão. Podemos justificar a mentira inicial. Podemos, Sr. Kant?
Não, não podemos. Não é assim que o mundo funciona, infelizmente, diz o senhor Kant.
Se o filósofo Immanuel Kant tivesse tido a sorte de ter visionado a excelente série “The Wire” no seu tempo teria ficado radiante. Poderia ter dado este exemplo para apoiar a sua teoria sobre a “Mentira por motivos altruístas”. Com McNulty, Kant não teria sido gozado pelos críticos como o foi por ter utilizado um estranho exemplo.
“Imagine que esconde um amigo inocente na sua cave. Vem um assassino à sua procura para o matar. Pergunta por ele. Deve mentir para o salvar?” A situação inventada por Kant era esta e a resposta dele é “Não”. E argumenta que mentindo o assassino iria embora continuando a sua busca e entretanto o amigo sentindo-se em perigo teria fugido pelas traseiras e inevitavelmente eles iriam dar de caras um com o outro. Parece estúpido e várias pessoas sérias conjecturaram que o senhor nesta altura do campeonato estaria já com Alzheimer.
Mas depois de bem meditarem outras pessoas concluíram de modo diferente. Ou seja, o que Kant descobriu (sem ver televisão nem ter saído de uma pequena cidade da Prússia toda a vida)
Foi que o nosso poder sobre as consequências das nossas acções é muito pequeno. Não controlamos nada do que acontece. Por isso mais vale cumprir as regras. A lei moral.
McNulty não ligou muito aos estudos e até escarnecia de quem tinha curso superior. Por isso não leu Kant. Para além disso estava numa fase de imaturidade que lhe deu a ilusão de ser Deus.
Mas ao longo desta história vai aprender esta lição de Kant.
Ora vejamos.
A brigada dos crimes graves está prestes a descobrir, através de escutas montadas e descodificação de códigos, uma rede de traficantes que passaram um ano inteiro a matar e a esconder corpos em casas abandonadas. De uma assentada vinte e dois corpos são descobertos e têm de ser investigados. Quando ao fim de um ano os profissionais que estão quase prontos a prende-los recebem ordens para parar a investigação por conveniências políticas do presidente da câmara. Este político havia passado a temporada anterior a fazer promessas para ser eleito de modo a resolver os problemas da sua amada cidade e assim que chega ao poder resolve que quer ser governador daí a dois anos. Os problemas da cidade terão de esperar. Para atingir os seus objectivos o orçamento da polícia é desviado para a educação (área que lhe trará mais votos). Sem recursos a polícia paralisa.
McNulty inventa um serial killer que mata uns sem-abrigo. Monta uma farsa. Um jornalista sem escrúpulos e ambicioso aumenta a farsa e depois existe um efeito bola de neve e o escândalo chega a todos os media. O que é certo é que o dinheiro aparece e com esforço e muitas mentiras o trabalho da polícia é retomado e os maus são todos apanhados.
Parece que ao intervalo está 1 para McNulty e 0 para Kant...
Mas... eis que quase no final do jogo o resultado sobre uma reviravolta. As malhas do acaso vão sendo tecidas e por uma coincidência ali e acolá o rei dos maus acaba sendo solto. Os chefes da polícia, o presidente da câmara, a procuradora do ministério público descobrem tudo. McNulty e Lester (seu cúmplice) perdem o emprego.
O grande caso de desmantelamento de droga não pode ir a tribunal pois a escuta era ilegal.
Por outras palavras: o amigo inocente fugiu pelas traseiras e deu de caras com o assassino! Vitória para Kant.
O dilema inicial subjacente da história era: será que os fins justificam os meios?
O objectivo era tão justo que confesso que fiquei desde o início do lado de McNulty.
O problema não é a justiça do fim. O problema é que os meios quando ilegais (a mentira) não só não garantem o fim em si como o podem prejudicar.
Neste caso McNulty aprendeu uma lição de Kant: não somos Deus, nunca seremos Deus. E amadurecer é tomarmos consciência das nossas limitações.
No final, nem todos os maus tiveram o castigo que mereciam. Nem todos os bons acabaram bem. Mas a vida é assim mesmo. A virtude não garante a felicidade. No entanto deve fazer-se o correcto independentemente das consequências, sem esperar recompensas. (De outra forma, se soubéssemos que seríamos recompensados sempre que fossemos virtuosos não seríamos simplesmente interesseiros?) E enquanto isso procurar a felicidade. Pois uma coisa não está directamente relacionada com a outra.
Será este o melhor dos mundos possíveis? Pode não ser, mas é o único que temos.
E de vez em quando temos o privilégio de assistir a séries de televisão que são maravilhosas...

AnaMarques
Enviado por AnaMarques em 04/01/2010
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