Malditos olhos verdes

Hoje não devia ter saído da cama. Desastre. Mas este ‘hoje’ começou ontem. Foi quando meu celular, em depressão, resolveu saltar para a morte. Ou então sentiu os efeitos do meu teor alcoólico altíssimo, viu a água da privada e pensou estar diante de uma piscina. Num impulso, resolvi salvá-lo e enfiei a mão na água límpida. Sim. Não houve tempo pra desabar a cerveja consumida.

Mas o aparelho não resistiu à prova de fôlego e passou desta pra uma melhor. Até os dezoito anos não tinha celular e vivia bem assim, mas hoje!!!! Não, não dá. Mas era domingo. Tá bom, eu espero até amanhã.

E segunda-feira chegou mais tarde do que eu esperava e desejava. Afinal, meu celular era, até então, meu despertador. Resultado, cheguei às oito no trabalho. Deveria ter entrado às seis. Tomei uma puta bronca e parti para o trabalho. Dia daqueles. Nada dava certo. As canetas caíram de ponta. Isso mesmo, no plural, duas. Uma após a outra. Tentei comprar uma substituta, mas havia esquecido a carteira. R$ 0,65 e eu não tinha. Podia ter pedido no semáforo, o que acha? Não, não ia pegar bem pra alguém de terno. Desisti e não anotei mais nada. O dia precisava seguir em frente. Um lápis emprestado de um menino de mochila, a caminho da escola salvou meu dia. Ou pelo menos essa parte dele.

De volta à empresa, terminei o trabalho e ia saindo, quando encontrei um grupo de amigos. De longe. De uma filial no interior. Eles estavam em treinamento. E lá estava ela: Andréa. Linda. Os olhos mais verdes do que nunca. Sorriso cínico e delicioso. Fingia estar com vergonha, mas também não tirava os olhos de mim.

Tivemos um caso quando eu trabalhei em Campinas. Nunca nos abrimos um pro outro. Era um tal de ‘não to nem aí pra você’ que não convencia ninguém. Nem a nós mesmos. Só nos falávamos por MSN há pouco mais de um ano. E ela estava ali, em carne osso e aquele sorriso. Ah, maldito sorriso.

Sairiam às seis. Não podia perder a oportunidade. Convidei todo mundo pra conhecer meu apartamento.

- Tudo bem. Eu ligo pra você quando a gente sair. Aí, você explica como chegamos lá.

- Ok! Combinado.

Fui pra casa tomar banho e já ia correndo na Santa Ifigênia comprar um celular. Precisava de um pra ela poder falar comigo. Nada podia dar errado.

Não fiquei mais do que 20 minutos em casa. Desci o elevador e abri o carro com o alarme. Ia apenas pegar o capacete que estava no porta-malas. Ir de moto pro Centro é muito mais negócio em São Paulo. Mas....espere aí. Porque não está abrindo? Algum problema com o alarme? Ah, a bateria. Tentei ligar o carro. Nem sinal. Cacete, eu devia ter visto isso antes. Esse problema já tinha acontecido.

Bom, agora é dar um jeito. E rápido. Comprei carro zero pra isso. Não to conseguindo pagar, mas o carro é zero. Preciso ligar pra concessionária. Ahhhhhhh....não tenho celular.

- Onde é o orelhão mais próximo?

- Ali na frente.

- Obrigado.

Fui correndo. Uma quadra. Duas. Três. E nada de orelhão. Quatro. Cinco. Finalmente estava lá. Uma menina falava. Batia. Xingava.

- Está quebrado, nem tente.

É claro que vou tentar. Mas...droga!!!

- Onde tem outro?

- Ali na frente.

De novo!!!

Pelo menos desta vez era mais perto. Pedi o guincho, não queria mais mecânico fazendo chupeta sem resolver o problema.

- Em 40 minutos o reboque estará aí. Mais alguma coisa senhor?

- Não, obrigado.

Vou ter que resolver o problema do telefone de outro jeito. Mas como? Já sei. A internet tem um telefone que nunca usei. Só pegar o aparelho do interfone e ligar no modem.

Simples demais pra um dia como esse. O aparelho está com problema desde que mudei pra cá há seis meses e, pra variar, não comprei outro ainda. Mas isso é fácil pra quem olhou praqueles olhos verdes.

Saí de moto. Antes de o guincho chegar. Dá tempo. Loja perto de casa. Aparelho: R$ 18,90. Perfeito!!!!

- Crédito ou débito?

- Débito.

Passa o cartão, digita os números. Erra. Volta. Ok ok, terminou.

- Senha, por favor!

Aguardando sinal. Discando. Transação não autorizada.

- Deve ter havido algum problema. Tente outra vez.

Passa o cartão, digita os números.

- Senha, por favor!

Aguardando sinal. Discando. Transação não autorizada.

Corri para o caixa eletrônico que, por sorte (piada, né), ficava dentro da loja. Saldo: R$ 15,57. Que ótimo!! Ia comprar celular como? Mas espere. Tem moedas no bolso! Contei rezando. Um real, um e cinqüenta, dois, três. Está aqui. Mais cinqüenta centavos.

- Não precisa de troco moça.

Voltei voando. Mas o guincho desistiu de esperar. Deixa pra lá, amanhã resolvo isso. Os olhos verdes compensam. Agora é só conectar o aparelho, discar e pronto.

- Tum tum tum tum. Oi. Tentou me ligar? Cheguei agora. Vocês podem vir.

- Ah, que pena. Saímos mais cedo. Estamos na estrada há duas horas. Esqueci de avisar. A gente se encontra. Beijo, tchau.