Até quando?

Atrevo-me a reolhar o passado e a reconquistá-lo, sabendo muito bem que nele está incrustado os mais variados ingredientes requeridos pelo presente para que este possa ser refeito e tornar-se uma “Dulce vita”. Há valores deveras interessantes que deixamos passar, perdendo quase tudo de seu cultivo e refino.

Tudo passa: as coisas boas e as coisas ruins. A vida é mesmo esse motor contínuo nem tão menos apressado, mas que nos permite sofrer e ser feliz, a depender de como agimos dentro dela, em seus trilhos ilógicos ou não.

As pipocas engorduradas das matinês dos domingos foram substituídas pelos hot-dogs cotidianos, os DVDs de todos os dias. O flerte inocente e gostoso dos namoricos o foram pelos “ficar” maldosos dos jovens de agora. Os gibis, pelos monitores dos computadores e a paz mansa das ruas, pela violência das pequenas, médias e grandes cidades.

Nasci em União dos Palmares, Terra de Zumbi, Jorge de Lima, Madalena Vergetti e de Mariá, dentre tantos outros ilustres. Habituei-me às missas dominicais e cri em Papai Noel. Meus Natais exigiam sapatinhos na janela. Aos pais, o beijo nas mãos atrelado ao pedido de bênção. Não nos era permitido esquecer o respeito para com os mais velhos. Pecar era até permitido, porém, pequenos pecados, veniais até demais. O namoro exprimia respeito. Frequentar uma escola e passar de ano, obrigações indiscutíveis.

Mas, repito, tudo passa. A vida moderna permitiu que o homem nem tão menos moderno reconstruísse seus valores primordiais baseados noutro modelo diferenciado dos velhos valores do passado, nem tão distantes. O que se prestava ter nos idos 50, 60, 70, etc, jamais encontrou um lugar acolhedor nos anos de hoje. A geografia da ética, do moral, mudou mesmo de lugar, foi esquecida.

Até a solidão se artificializou, porque hoje se pode conhecer alguém e até casar-se, apenas pelo contato na telinha de um computador, sem jamais carecer conhecer previamente o ou a pretendente. A glória nova da modernidade requer um sacrifício bem diferente do que nós conhecíamos no passado. As árvores são feitas nos ninhos? Há nos mares oceanos artificiais?

A reflexão está mais para devaneios e cafonices do que mesmo para as palavras readmiradas que a alma faz de nós para mais dentro de nós ainda.

A criança nasce cercada por cuidados tão especiais que nem se apercebe que a sua infância não esperou pela puberdade e o homem veio bem antes do rapaz. Só nos falta ela nascer falando ou usando a NET para se comunicar com os pais. A vida moderna é a faca mais afiada que cortou a relação entre o velho áulico e o moderno empurrado goela abaixo. Estamos, a cada dia, mais distantes da família e mais próximos da destruição total.

Resta-nos a esperança perdida de acharmos nas profundezas de nós mesmos o “pré-sal” de nossos valores adormecidos e, quem sabe, extraí-los e refiná-los nas vias lógicas que nos permitirem viver como gente no passado.

Há um mar, há um rio, mas nos falta a água. A aridez de nossas ideias deformadas nos aproxima do ausente, do vácuo, do absolutamente dispensável. Perdemos, sim, a localização exata dos nossos diferenciais. Somos e estamos menos gente, mais animais. Até quando?