" O RABISCADOR "

Evaldo da Veiga




Ele era cordial, simpático, solicito e amava ver as pessoas alegres.
Gostava de ser útil, mas por derradeiro dizia não. Respeitava muito
os valores alheios, mas exercia o sagrado direito de ver suas convicções respeitadas. No bairro uma moçada bem legal, afetuosa,
chamava-o de Poeta e ele respondia: - que isso cara, sou somente um humilde rabiscador de papel.
Mas como regra tem exceções, tinha aqueles que eram  esnobes, invasivos, os de sinceridade agressiva, aquilo que tem em todos os lugares. Ele gostava de escrever, ou melhor, escrevia por um hábito que foi indo e se cristalizou em algo, assim, como meio vício.
Às vezes, no botequim, alguém pedia uma carta de amor, dava as dicas da mulher e ele deitava palavras no papel.
Buscava transmitir a sinceridade percebida e tinha cuidado
para não fazer uma arapuca.
Mensagens de casamento, aniversário, bodas, eram com ele mesmo,
só não escrevia discurso e propaganda política.
Tudo bem e os dias foram passando, até o dia que machucou a mão
ao descer do bonde andando. Não podia escrever, que chato.
O pessoal cobrava e uns até um tanto agressivo: - pô, logo agora que precisei de você! – Esse que reclamava já fora beneficiários de suas cartas, mas é a tal coisa: se faz 99 favores, se não fizer o centésimo vem reclamação.
E uma coisa se revelou interessante, foi quando alguns quiseram que ele ditasse as cartas, ele se recusou, assim não. Dizer ele dizia, mas só se diretamente à mulher. Assim por encomenda, precisava das mãos, porque sentia que elas eram policiadas por energias que disciplinavam despermitindo o exagero, o engano.
Maurição não se conteve: - pô, se não quer ditar, vá para pqp !!!
Quanta agressão. É que o Maurição queria a Betinha, a considerada a mais linda do bairro, cheia de maneirismo lindo e de uma delicadeza
envolvente, era um mimo. Olha bem: o Maurição só porque era malhadão, barriga tanquinho, tinha carro de luxo, filho de Senador, assessor do Senado, recebia vinte salários anuais, tinha cinco meses de férias por ano, plano de saúde, gasolina e despesas de viagens tudo por conta do Tesouro Nacional, se achou no direito de ter a Betinha. Ai o que aconteceu: como em todo bairro, todos acabam sabendo de tudo, a Betinha queria conhecer o Rabiscador. Parou o carro e chamou o Rabiscador pra ir ao alto de um morrinho, onde lá embaixo tinha o mar. E seu argumento é que iriam ver submarino. O Rabiscador inocente, nem percebeu que submarino fica submerso, não dá pra ver. Foi e lá a Betinha comeu ele todinho, dentro do carro uma parte, e deitados na relva um montão. Deixou-o bem cansadinho, mais feliz, sentindo aquele gostinho de quero mais
e dizendo com seu ar inocente:- oi Betinha, não consegui ver nem um submarino, desculpa, tá?


N - Imagem, Tela do Picasso

evaldodaveiga@yahoo.com.br


Evaldo da Veiga