Crônicas da Esquina ( Compras )

COMPRAS

Todos temos manias que, como tais, têm sempre um certo quê de irritação e graça. Uma compulsão incontrolável leva-nos a praticá-las ainda que não queiramos. De uma certa forma, sem elas estaríamos nus e desconfortáveis. No entanto, manias deveriam ser exercidas nos limites da mais rotunda solidão. Algumas são simples, mas existem as clássicas, imortalizadas, como particularmente uma, numa canção. Por exemplo, repor na caixa de fósforos os palitos usados. À primeira vista não deveria irritar-me com isso, ou melhor ainda, ela poderia me sugerir um certo apreço pelo passeio público tão sovado pelos objetos que temos à mão, mas que perderam a serventia. Por outro lado, imagine-se, caro leitor, pegando uma caixa com fósforos usados para acender um cigarro após o café ou para ligar o aquecedor numa manhã muito fria quando já tiramos toda a roupa.

Manias, observo-as nos amigos que, talvez, observem as minhas próprias. Serginho Cedae, por exemplo, tem mania de supermercado, embora finja reclamar. Não há um só dia em que ele não suba a rua carregando duas singelas bolsinhas. Por ser tarefa diária, não precisa daquelas listas intermináveis. Compra o que se lhe aparece e na quantidade que lhe dá na venta. Mas não imaginem uma família enorme com filhos em fase de crescimento. Não. Apenas ele e dona Jaciara. Ele aposentado e ela longe disso, não fazem a linha de glutões exagerados.

Roberto Itaipuaçu foi quem contou-me uma esclarecedora história sobre o assunto. Acompanhando o nosso amigo, resolveu ajudá-lo nas compras, pois o Campeão é um pequeno supermercado que só vive cheio. Cada qual com um carrinho, estabeleceu-se um diálogo entre prateleiras e gente passando. Roberto foi quem interpelou:

Pasta de dente?

Oito!

Dove?

Quinze! Variado, hein!

Papel higiênico?

Dez!

Nosso prezado Roberto assustava-se com as respostas que iam sendo dadas em tom calmo e descontraído. Assim, percebendo os critérios do Serginho, abdicou das perguntas e continuou com as compras do amigo. Dirigiu-se ao setor das carnes cuja fila bem poderia ser a de um posto do INSS. Serginho foi para o caixa reservar lugar. Num piscar de olhos, Roberto reapareceu.

Pegou a carne?

Peguei!

Já na 28, sacolas em punho, Serginho comentou:

A fila da carne andou rápido, né?

Não fiquei na fila.

Mas rapaz, o mais importante era a carne!

Fica frio, ô Mané. Um otário que tinha comprado a carne moída afastou-se do carrinho e eu surrupiei-lhe o embrulho.

E vieram os dois pela 28, rindo como duas crianças travessas. Agora era levar as compras para casa, mas não sem antes dar uma paradinha no Costa. Afinal, ninguém é de ferro.

Aldo Guerra

Vila Isabel, RJ.

Aldo Guerra
Enviado por Aldo Guerra em 27/07/2006
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