AS CRIANÇAS DE BAGDÁ

Estou a pensar no que sobrará das crianças de Bagdá (haverá crianças em Bagdá?). Possivelmente ninguém pensou nesse humilde detalhe. Quem projeta bombas não tem tempo de pensar em crianças. O que importa é saber que o míssil alcança 3 mil quilômetros, a uma velocidade de 800 quilômetros por hora. O míssil, dizem, é inteligente. Só não consegue compreender a dor que projetará.

A bomba vai em silêncio. Um silêncio que não chega a levantar suspeitas. Os engenheiros norte-americanos irão para suas casas e serão beijados por suas mulheres, que talvez até lhe preparem uma lasanha. Os engenheiros de bomba também amam. Suas mães devem sentir-se orgulhosas de seus filhos inteligentes e úteis à história mundial. O coração velho de cada mãe deve suspirar de orgulho e de amor.

Sim, criara bombas inteligentes para amaciar o terreno e abrir espaço para as tropas de terra agir. Os jornais alimentam os olhos do mundo. Míseros haitianos vão saber como precisão todos os detalhes da guerra. Estudantes albaneses verão na televisão o rosto dos combatentes, as meninas correndo assustadas e o vendedor de flores sendo soprado por estilhaços. Talvez algum industrial norte-americano também esteja assistindo essa cena. Mas talvez ele se chateie: teve um dia cheio. Possivelmente, pegará suas duas filhas e a esposa e irá a um shopping comer um hambúrguer. No shopping é proibida a palavra guerra. Na escada rolante, o industrial norte-americano deixará o tédio. Na fila do cinema, esquecerá sua gravata e suas ínfimas preocupações.

As crianças iraquianas... Havia-me esquecido delas. Talvez não rendam uma crônica inteira. As crianças de Bagdá não fazem plano para o dia seguinte. No jogo de futebol, os amigos não marcam a próxima partida. Não se abraçam. Dizem apenas: “estou cansado, vou-me embora”. As crianças iraquianas acham a TV um saco. Na estação, apenas propagandas bélicas que não enchem a barriga de nenhum guri.

As crianças iraquianas admiram a bomba como a algo divino, monstruoso, supremo. Elas esperam a bomba. Os céus de Bagdá estão sempre movimentados. Não há tédio no céu de Bagdá. A noite desce sobre as casas onde apenas crianças dormem. As crianças de Bagdá não temem a nada e deitam. Não sonham com o amanhã, apena dormem. Biologicamente, dormem.

Anderson Alcântara
Enviado por Anderson Alcântara em 20/01/2010
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