O Pintor
Ele pinta todos os dias. Recebe uma tela branca e mal acorda já começa a pintar e assim vai até adormecer.

Suas primeiras telas eram bem simples, muitas vezes indistinto borrão. Com o tempo foi se aperfeiçoando e criando situações novas. Estabelecendo um estilo. Evoluindo.

Nunca revê suas pinturas. Ele as pinta e as telas são todas colocadas em um porão. E, apesar de uma tela influenciar a pintura de outra, ele aos pouco vai se esquecendo do que pintou. Lembra detalhes de uma ou outra. Às vezes quase se lembra de uma tela inteira. Às vezes, em seu pensamento, os detalhes de uma se misturam com os detalhes de outra. Muitas ele renega. Gostaria de esquecê-las completamente. Negar que as tenha pintado. São essas, porém as de que mais se lembra: aquelas que gostaria de esquecer totalmente. De outras, as que mais gostou, ele esforça-se para não esquecer. Mas esquece. Os detalhes desaparecem, fica a essência.

        As tintas. Ele tem as suas preferidas, mas nem sempre consegue usá-las. Na maioria das vezes usa as tintas que pode, não as tintas que quer. Por vezes suas criações são luminosas como o sol do verão. Outras, escolhe os tons da terra em todas as suas nuances. Não gosta dos tons esmaecidos e sombrios, mas não consegue evitá-los e assim as telas desses dias são tristes e enevoadas. Mas também sabe pintar a alegria, com cores fortes e vivas.

          O pintor não coloca suas telas a venda. Nem as oferece a ninguém. Vai guardando, uma por uma. Ele tem um objetivo embora nem sempre o compreenda muito bem. Fica inquieto, duvidando da qualidade de seu trabalho. Ou da utilidade. Por isso sempre pergunta: Por que pinto essas telas? Para que as pinto? Ninguém consegue lhe responder satisfatoriamente. Um diz uma coisa, o outro diz outra. Algumas respostas o deixam frustrado, outras, excitado. As melhores respostas ele encontra com os Mestres da Pintura, mas nem sempre ele reconhece esses Mestres. Chega a desdenhar deles. Enquanto pinta ele reflete procurando uma solução por si mesmo a partir das soluções que lhe foram propostas. É quando pensa que encontrou essa solução que pinta melhor. Mas depois ela parece tola e sem sentido e a busca pela resposta certa continua. Muitas vezes já pensou em desistir, mas dentro dele algo impede. E ele continua a pintar. Todos os dias, uma tela por dia, que vai guardando em um porão. Até chegar o dia de expô-las. Levá-las para a Galeria onde um Marchand justo irá avaliá-las. Mas elas não serão expostas para outras pessoas. Só o Marchand e ele, o pintor. Porque é a opinião desse Marchand que importa. Uma a uma ela será avaliada. E o Marchand falará com sua voz de Marchand e o pintor ouvirá com seus ouvidos de pintor. E as palavras do Marchand serão sábias e o pintor aceitará as críticas porque sabe que serão feitas para a evolução de seu trabalho. Porque ele continuará a pintar. Terá outra chance para se aperfeiçoar. E outra e mais outra até o Marchand mostrar que está satisfeito. E então o Pintor será nomeado para uma nova função: a de Mestre de Pintores. Porque a partir daí ele não vai mais precisar pintar. Ele terá encontrado a perfeição, mas seu caminho será mais árduo ainda: ensinar a pintar. Porque nem todos os pintores querem aprender a pintar. E é preciso que aprendam porque assim manda a Lei.
 
Maria Olimpia Alves de Melo em 22 de janeiro de 2010