QUE ORGULHOSO, QUE NADA!

Dizem os espiritualistas que as três provas mais difíceis para um espírito encarnado enfrentar são: a da beleza, a do dinheiro e a do poder. Não que seja difícil viver com qualquer dessas condições ou, melhor ainda, com duas ou até as três, ao mesmo tempo. Mas porque são três oportunidades que o espírito teria para sucumbir e desviar-se do caminho do bem.

Com efeito, é preciso concordar que uma pessoa muito bonita, dessas de chamarem a atenção dos passantes; uma pessoa muito abastada, para quem nenhum desejo material parece impossível de satisfazer; ou uma pessoa muito poderosa, que, pelas imperfeições da natureza humana, parece estar, muitas vezes, acima do bem e do mal, têm mais do que todos os outros mortais, a chance de utilizar, de forma equivocada, a beleza, o dinheiro e o poder.

Mas pondo de parte aquilo em que acreditam os espiritualistas — inclusive, porque alguns deles, submetidos a alguma dessas provas, não raramente, também sucumbem diante delas, independente daquilo em que dizem crer — a vida nos oferece, todos os dias, exemplos de que é mesmo difícil resistir ao pecado, quando o pecado parece ser um direito natural para alguns. E no rol dos pecados, que alguns classificaram em nome de Deus, parece que estes lá se encontram como transgressões da alma, com menor potencial ofensivo: a vaidade, a avareza e a ira, que muitas vezes recaem sobre os menos belos, os menos ricos e os mais humildes.

Existem, por certo, estágios intermediários para essas imperfeições da alma, que são até aceitáveis e compreensíveis. A vaidade exacerbada é, com certeza, um mal. Mas Deus certamente há de perdoar, aqueles que sentem certo orgulho da tarefa cumprida, do trabalho bem feito e de seu valor próprio, desde que isto não se constitua em soberba e menosprezo, em relação aos demais. Da mesma forma, o Criador não punirá uma pobre criança rica, só porque tenha nascido em “berço de ouro”. Mas, provavelmente, não ficará muito feliz com ela, se, mais adiante, com o passar da vida, valer-se de sua superioridade econômica para fazer o mal ao próximo. E, em relação ao poder, a lógica a ser aplicada é a mesma.

Tenho para mim, aliás, que a prova do poder é a mais difícil e a mais comum. E, antes que algum leitor questione, se as provas do dinheiro e do poder não estariam testando mais ou menos a mesma condição do espírito, eu vou logo respondendo que não. Porque o poder a que me refiro, não é aquele de comprar, de esnobar ou de corromper os venais, os humildes ou os corruptos, em razão da prova do dinheiro. Mas aquele poder que pode estar ou não associado ao dinheiro e que não depende, necessariamente, dele.

Um político, enquanto durar o seu mandato, tem esse poder; mas um funcionário público, que não depende de mandato, também poderá tê-lo. Um juiz tem esse poder; mas um policial que intimida um cidadão, simplesmente porque está armado, também poderá tê-lo. O secretário municipal de Transportes tem esse poder; mas o motorista de um coletivo, que dá partida ao ônibus, jogando o idoso ou o deficiente ao chão, convicto de que nunca será punido por isto, também tem. Como se vê, quando se fala de poder aqui, a palavra está empregada em várias e variadas acepções. O que importa saber é que, em qualquer nível de que estejamos falando, ter o poder e não abusar dele, é sempre uma prova difícil de superar, quando o espírito é mais tosco.

Pior do que isto são as pessoas que pensam que foram aquinhoadas por algum desses atributos e não foram. Como no caso daquele sujeitinho que foi se confessar e disse ao padre:

— “Seo” padre, o meu maior pecado é que eu sou muito orgulhoso...

E o padre, de dentro do confessionário, sem enxergar o rosto do homem, isolado por aquele tecido fino, indagou:

— Por que, meu filho? Você é muito poderoso?

O penitente, do outro lado:

— Sou não, padre... Sou não...

Voltou a insistir o padre:

— Então, com certeza, você é muito rico, não é?

E o pretendente a receber a comunhão na missa:

— Que nada, padre... Eu sou um humilde porteiro de edifício.

O padre tentou mais uma vez:

— Não estou vendo o seu rosto, meu filho, mas só posso concluir que você seja um homem muito bonito, desejado pelas mulheres e invejado pelos homens. É isso?

— Ao que o cristão decepcionou o sacerdote mais uma vez:

— Coisa nenhuma, padre! Sou feio prá caramba! Mulher nenhuma olha para mim...

E o padre, sem conter a impaciência, afastou o paninho de seda e, olhando o sujeito através da treliça do confessionário, arrematou a conversa:

— Então, meu filho, você não é orgulhoso: você só é muito besta! Vá rezar um terço e desocupe o confessionário que tem muita gente na fila!

Tinha toda razão o vigário, mas como tem gente besta neste mundo...