Pra onde vai essa chuva?

Há uns desenhos de labirintos ou gráficos – sei lá – nos vidros dos carros estacionados, e há um vento que brinca de baile com a chuva e suas coreografias mutantes.

Vem mais forte, mais densa e já não são labirintos desenhados, mas algo como quadros surrealistas ou rios que escorrem latarias abaixo até encontrarem o chão impregnado, formando pequenas lagoas à espera de pés descalços e, quem sabe, alguma criança feliz e desobediente que quer brincar de piscina. Nos tetos, pesadas gotas formam chafarizes que usam a força da queda para explodir em espetáculo aos olhos de quem lamenta a ausência do sol.

Há uma cortina de água que cai do telhado sem calha, tecida por caprichosa tecelã que não se rende à mesmice e uma música que se afinou tamborilando até se impor, soberana e bela - convite para o sono reparador de noites preocupadamente mal dormidas.

Uma ou outra goteira para mostrar que a água não gosta de obstáculos, nem que sejam abrigos para os homens.

Para onde irá essa chuva depois de passar? Segue um caminho pré-determinado ou sai a procurar outros lugares para se exibir?

Procura rios ou plantações que um dia a transformarão em alimento ou se transmuta em inundação para mostrar a insensatez humana? Leva lembranças dos lugares onde passou ou deixa apenas sua marca na esperança de ser lição e exemplo? Para onde vai depois de passar por aqui?

Talvez lave feridas, talvez exponha outras, escondidas e ignoradas. Cura-as?

Talvez queira, apenas, seguir e molhar cabelos e fazer carinho em faces afoitas e inundar olhares secos e duros, na intenção de tirar deles o pó da amargura acumulada. Talvez queira levar embora os maus tempos cultuados por corações incapazes de enxergar bons momentos. Consegue ou apenas insiste, sabendo que seu esforço é vão, mas não pode desistir?

Segue seu caminho, ou o caminho que o vento quer, para obrigar as pessoas ao aconchego, mesmo que muitos não a compreendam?

Oxalá chovesse e as pessoas compreendessem.