A moça

Soube sem perguntar,que se matara,às vésperas do Novo Ano.

Assim, sem deixar recados, sem bilhetes de últimos desejos, sem destinar bens.

Era moça ainda. Relativamente.Poderia ter sido feliz, mas achou que não era. Disseram que não suportou os fardos. Da mãe arquetípica e da mãe real. Ela era atormentada. A mãe. Daquelas que punham o dedo nas feridas mais profundas, como quem aperta o creme dental. Era capaz de escárnio. E de punições quando o que faziam não lhe era agradável. Não era doce, nem meiga.Ninguém sabia porque. Fez-se assim tão rude e pessimista. Cobrava sempre e muito, celebrava pouco ou nada. Mesmo quando havia saude e vida por perto.

Cobrava o que faltava, fosse uma agulhazinha na seara de tantos bens que a moça tinha conquistado. Disse-me uma vez, a moça morta, que ela, a mãe, era dada a humilhar. Talvez isso tenha aniquilado as conquistas todas que a moça fez e em vão esperou o abraço de solidariedade. Talvez tenha morrido sem dores, a moça.Bom, disse a mãe, ela escolheu seu destino. Simples assim, triste assim, a moça desapareceu sob a terra.

Terra mãe, que é chão, mas é também avalanche que mata.