GOLPE BAIXO NA DEMOCRACIA

Em 27 de janeiro último assistimos ao triunfo do um golpe, quando os culpados foram inocentados e perdoados juntamente com os inocentes. Com grandes demonstrações de boa vontade, querendo apaziguar o país, que sofre profunda crise desde o golpe de estado em 28 de junho último que derrubou seu presidente, Manuel Zelaya, eleito em 2005, – assim tomou posse como novo mandatário o conservador Porfirio Pepe Lobo, eleito em 19 de dezembro último numa eleição marcada pela truculência de um autoritário governo de fato, presidido pelo empresário e ex-presidente do Congresso hondurenho, Roberto Micheletti. Este, satisfazendo a vontade dos empresários hondurenhos, juntamente com o legislativo, o judiciário e as forças armadas, depôs e expulsou do país o presidente constitucional por sua tentativa de convocar um referendo popular com o fim de mudar a Constituição e permitir a reeleição. Entretanto, o presidente deposto, Manuel Zelaya, retornou clandestinamente do exílio em 22 de setembro último com o apoio da OEA (Organização dos Estados Americanos), UE (União Européia), ONU e EUA, que exigiam sua imediata restituição no poder. Todavia, embora as sanções econômicas impostas e o bloqueio da ajuda econômica, que fizeram aprofundar ainda mais a miséria no país, além do isolamento diplomático e as pressões dos presidentes de quase todos os países do mundo, condenando o golpe e o desrespeito a Constituição e democracia daquela nação, os golpistas não cederam, mas seguiram em franca afronta a autoridade e pressão internacional, inclusive ameaçando desrespeitar a imunidade da embaixada brasileira na capital Tegucigalpa, onde o presidente deposto esteve abrigado sob violenta ameaça desde o seu retorno até 27 de janeiro, quando, após a posse do novo presidente, foi escoltado pelo mesmo juntamente com o presidente da República Dominicana ao avião presidencial deste, com o qual deixou o país.

Para amolecer a pressão internacional, dias antes o Ministério Público hondurenho, co-autor do golpe, encaminhou denúncia crime contra a o comitê das forças armadas do país pela expatriação do presidente. Todavia, até 27 de janeiro o Supremo Tribunal de Justiça já os tinha inocentado, também como demonstração de boa vontade para com a conciliação nacional. Quanto ao presidente deposto, Manuel Zelaya, após a posse de Porfirio Lobo ele pôde sair da embaixada brasileira graças ao salvo-conduto concedido pelo novo presidente e a anistia aprovada horas antes pelo novo legislativo, a qual concede perdão a todos os envolvidos no golpe, tanto para seus crimes políticos quanto para os comuns praticados antes e depois do mesmo, como abuso de poder, uso de violência, intimidação a manifestantes e autoridades, estupro de mulheres e crianças, entre muitos outros denunciados em 26 de janeiro último pela Anistia Internacional. Todavia, segundo o Supremo Tribunal hondurenho, os crimes políticos do presidente deposto foram perdoados, mas os comuns que pesam contra ele (como a tentativa de convocar um referendo popular) não serão dissolvidos e ele terá que responder por eles.

Hipocrisias hondurenhas à parte, todo esse processo deixou claro que a opinião dos EUA não é mais relevante na política latino-americana, bem como que nem todos as nações do mundo juntas são capazes de impedir o que ninguém mais quer – a usurpação do direito geral em favor dos interesses dos donos do poder econômico, e que daqui para frente nenhum país estará livre de golpes de estado, cujos crimes serão perdoados se os golpistas sustentarem-se na posição.

Um governo comprometido com a democracia não teme a vontade de seu povo, pois demo refere-se especificamente a povo e democracia é especificamente governo do povo. Nada mais democrático do que um povo manifestar-se sobre que tipo de governo quer. Quando esse direito é negado ao povo aí sim há o autoritarismo e desrespeito a democracia.

Honduras sofreu um golpe de estado com a alegação de que a iniciativa de fazer um referendo popular em prol de mudar a lei para a reeleição escondia a intenção do presidente em exercício de perpetuar-se no poder, sendo que isso então seria antidemocrático. Entretanto, num Estado onde há eleições livres, nenhum presidente se perpetuará no poder contra a vontade do povo expressa nas urnas. Sendo assim, nenhum governo tem porque temer um referendo popular a não ser que esteja em débito com seu povo, pois um referendo manifesta a satisfação ou insatisfação do povo para com o regime vigente. Sem reeleição, um povo está amordaçado, sem ter como se manifestar, obrigando-se a escolher novo governante por não ter a opção de manter o que já mostrou suas qualidades.

No Brasil há reeleição e nem por isso algum presidente se perpetuou ou se perpetuará no poder.